Meu encontro com Marx e Freud, de Erich Fromm

Meu objetivo inicial com este livro era aprofundar meus estudos na interseção entre marxismo e psicanálise, mas ele só nos permite fazê-lo superficialmente. Até aí, tudo bem, pois não é este mesmo o seu objetivo. Esta obra é uma biografia intelectual de seu autor, e não uma exposição do freudo-marxismo.

Mas o grande problema que encontrei aqui é que Erich Fromm comete o mesmo erro da maioria dos marxólogos acadêmicos, que despem o marxismo de seu caráter revolucionário para deixa-lo mais palatável para a burguesia.

Ele mesmo afirma, nesta obra, que não é engajado politicamente, ou seja, é apenas um "marxista acadêmico". E isso é uma contradição, pois não é possível ser marxista e não estar politicamente engajado. Lembremo-nos da 11ª tese sobre Feuerbach, em que Marx afirma que os filósofos até hoje se limitaram a interpretar o mundo, mas o que importa, porém, é transformá-lo. A vida do próprio Karl Marx foi de engajamento político revolucionário.

Assim, Fromm é seduzido pela cantilena burguesa de que Stalin foi um "assassino", e em diversos momentos o coloca no mesmo plano de Hitler, fazendo assim o jogo da burguesia que, derrotada e envergonhada pelo que fez na II Guerra Mundial, precisou inventar no campo da esquerda um monstro idêntico ao que eles realmente criaram e financiaram no campo da direita, Adolf Hitler.

Além disso, é muito bonito que "marxistas acadêmicos", como Fromm, digam como as coisas devem ser. Falam muito do "Homem", da "Liberdade", etc. Mas em momento algum eles dizem como isso deve ser alcançado.

Se apegam a uma imaginária "pureza da revolução", que o filósofo italiano Domenico Losurdo chama de "universalismo abstrato", e criticam toda tentativa de construção do socialismo na prática. Essa postura é sempre consequência ou de falta de engajamento político ou de oposição esquerdista que não tem nenhuma responsabilidade de construir algo, mas apenas de desconstruir. E a primeira delas, não ser politicamente engajado, é ainda uma das razões pelas quais tal pessoa não pode carregar o título de marxista, pois não consegue ver essas nuances da vida prática se está apenas confortavelmente sentado num banco da universidade. Este suposto "distanciamento do objeto" mais cega do que faz ver.

Mas para não deixar a impressão de que não há nada aproveitável neste livro, há vários pontos esclarecedores sobre o que há em comum entre Marx e Freud - cada capítulo do livro trata de um aspecto diferente.

Um dos mais interessantes é sobre a atitude cética tanto de Marx quanto de Freud sobre aquilo que pensamos que sabemos. Para Freud, muito do que se passa na vida psíquica do homem é inconsciente, e ele não sabe exatamente porque age da forma que age. Já para Marx, as pessoas também não sabem por que pensam como pensam, pois suas idéias são em grande parte reflexos das condições materiais concretas da sociedade em que vive.

Ou seja, ambos os pensadores trabalham com um conceito semelhante de "racionalização". Para Freud, a racionalização é uma tentativa de dar sentido a uma ação ou pensamento que vem do inconsciente. Na obra de Marx, essa racionalização recebe o nome de "ideologia", isso é, uma justificativa da organização social em que vive, do status quo. Mas enquanto Freud trabalha com o indivíduo, Marx trabalha com o social.

E como dica para os interessados no tema, um teórico que considero muito superior a Erich Fromm no freudo-marxismo é Wilhelm Reich, quando este ainda fazia parte do Partido Comunista da Alemanha. Sua obra deste período de militância política é muito mais profunda do que podemos encontrar neste livro de Fromm.


5 Kommentare:

  Unknown

10 de janeiro de 2015 às 22:04

Mais um blog interessante sobre a cultura do "proletariado", aquele que trabalha. Acredito que todos trabalhamos. Mas trabalhamos em todos os momentos. Saí com minha namorada passear e até agora as "imagens" do passeio estão em mim. Saímos há alguns meses, e andar de bicicleta, encher os pneus, passar um paninho e escolher a mais difícil de pedalar (que é a melhor) é um trabalho. E o trabalho sustenta a imaginação, o pensamento e isso que se chama em psicanálise e em psicologia de "Representação".

Criei uma imagem! Aqui está ela, viva, vivinha, linda, com minha imagem ainda registrada em fotos, operando o tecnológico pra dar cor à vida, embora ele nos tenha mantido distantes, alienados. E é a alienação o principal conhecimento em Marx (em minha opinião!) e em Freud, que se conhece como Inconsciente. Acredito que o inconsciente Freudiano é o mesmo que a Alienação Marxista, embora Freud nunca tenha dito nada em termos de "Trabalho", mas em "Realidade", criadora de nossa linguagem, nossos modelos, estigmas, conceitos e preconceitos, caso estes existam.

Assim, Fromm fez uma grande análise e me tirou da academia dogmática de Freud, que não é tanto assim, se nós o olhamos pela lente de sua época. Acredito que dou todo meu carinho e valor a Freud, e se tivesse vivo, apertaria a mão dele e diria "você é um grande homem. Parabéns".

Há uma infinidade de críticas à psicanálise, e acredito que as "melhores" são tecidas por Gilles Deleuze e Félix Guattari (principalmente o último, que é militante de esquerda e psicanalista).

Freud faz a descoberta da vida psíquica. Maravilhosa! Dos sonhos, da realidade, e do pensamento que atinge muito mais que um conceito, mas se difunde pra dar lugar a alguma coisa que não se sabe o que é (chamada "Pulsão"). A "Pulsão" não é um pensamento concreto, do mundo, talhado no labor das fabriquetas cheias de engrenagens (tornando homem e mulher engrenagens), mas descobre o pensamento fluído, etéreo, como o Budismo Zen o faz, quando meditamos e deixamos que o pensamento ocorra sem problemas.

  Unknown

10 de janeiro de 2015 às 22:04

Esse o passeio com minha namorada: Pensamentos fluindo, dando lugar ao carinho e concórdia, sem medo de pensar. Essa descoberta do pensamento quando retirada das poltronas psicanalíticas (da psicanálise clínica. Em psicologia, temos a "Psicologia Social", e até pensamentos psicanalíticos socialmente!), dá origem ao maravilhoso pensamento universal! O labor do trabalho não está dissociado à imagem do inconsciente (ou alienação - aquilo que repetimos sem saber porque, como trabalhar e levantar martelo sem saber porque, esperando a hora do dia acabar - afinal, o trabalho "não é pra nós"), e se damos uma pitada de Marx com Freud, temos o pensamento mais que vivo, mas presente e aqui e agora.

Acho que semelhante "disfunção" é com o Templo de Shaolin, ou dos monges guerreiros. É uma antitese lutar e estar em harmonia? Penso que não, e os esquerdistas sabem disso. Heróis ou mártires deram lugar a esse conhecimento fantástico da vida que é mais que bater martelo, mas viver por ser vivida, por ser querida e gostosa. Somos mais que seres à espera da morte ou da aposentadoria ou do final de semana (reacionariamente o tempo de "expurgar sentimentos", "arriar a educação"), e este "algo a mais" descobrimos com Marx e Freud.

Fromm foi preocupado com isso, e não acho legal censurá-lo por ter escolhido esse caminho. Olho os livros dele como olho os de Guattari, que usa uma linguagem por demais rebuscada (embora eu o admire muito!). Diz Fromm que a liberdade está presente em todos nós, mas o 'conformismo' faz com que o humano deixe de segurá-la, e prefere ceder seu espaço de liberdade (que é se posicionar) para, em conformidade com a massa, seguir reacionariamente a vida. Acho que alguém que "desperdiça" seu tempo pra descobrir o pensamento humano não pode ser tido como algo intolerantemente fora do pensamento universal. Essas descobertas, como as de Freud ou de tantos escritores, nos fazem admirar, ver, chamar e contar pros outros o que é o mundo.

  Deodato Souza

22 de junho de 2018 às 12:45

Tive uma forte e agradável surpresa ao ler "Jung's Psychology and its Social Meaning", de Ira Progoff (há versão digital disponível). Jung produziu uma obra imensa, mas totalmente assistemática, e Progoff realizou um trabalho que considero admirável ao organizar as ideias junguianas sobre a sociedade. Jung supera de longe o materialismo vulgar de Freud, e Progoff mostra, com seu raciocínio privilegiado, como o inconsciente concebido por Jung é um campo vastíssimo, objetivo, histórico e supra-individual, onde estão as explicações para a origem da sociedade, a cultura e a civilização como um todo. Nenhum dos dois se propõe a ser materialista-dialético, mas quem o for autenticamente e tiver sede de ampliar seus horizontes de conhecimento, só lucrará em ler esta obra. Há também uma versão em espanhol, e devo estar publicando em breve a minha tradução anotada, em português, sob o título "A Psicologia de Jung e sua Significação Social", título pelo qual poderá ser pesquisada na Internet. Vou criar uma página com esse mesmo título no Facebook, para divulgação e para receber críticas e comentários, e debater seu conteúdo.

  Deodato Souza

22 de junho de 2018 às 12:45

Tive uma forte e agradável surpresa ao ler "Jung's Psychology and its Social Meaning", de Ira Progoff (há versão digital disponível). Jung produziu uma obra imensa, mas totalmente assistemática, e Progoff realizou um trabalho que considero admirável ao organizar as ideias junguianas sobre a sociedade. Jung supera de longe o materialismo vulgar de Freud, e Progoff mostra, com seu raciocínio privilegiado, como o inconsciente concebido por Jung é um campo vastíssimo, objetivo, histórico e supra-individual, onde estão as explicações para a origem da sociedade, a cultura e a civilização como um todo. Nenhum dos dois se propõe a ser materialista-dialético, mas quem o for autenticamente e tiver sede de ampliar seus horizontes de conhecimento, só lucrará em ler esta obra. Há também uma versão em espanhol, e devo estar publicando em breve a minha tradução anotada, em português, sob o título "A Psicologia de Jung e sua Significação Social", título pelo qual poderá ser pesquisada na Internet. Vou criar uma página com esse mesmo título no Facebook, para divulgação e para receber críticas e comentários, e debater seu conteúdo.

  JULIO CESAR

23 de agosto de 2018 às 16:12

COMUNISMO=FASCISMO