Caminhos subterrâneos do poder soviético

Abrigos que podem suportar um ataque nuclear, túneis para automóveis que saem do Kremlin rumo à datcha de Stálin, aeroportos subterrâneos e passagens para tanques sob o solo de Moscou. Isso tudo soa um tanto irreal? Sim, mas só até certo ponto. Afinal, abrigos subterrâneos e linhas de transporte para o ex-governo soviético realmente existem.

Diversos abrigos subterrâneos tem ligação com as linhas do metrô de Moscou Foto: Dmítri Berdassov
Após a Segunda Guerra Mundial, as autoridades de Moscou ordenaram a construção de abrigos subterrâneos com o intuito de proteger os civis das consequências de uma bomba nuclear. Mas os mais altos funcionários do governo e militares precisavam de proteção especial, já que, em períodos de guerra, só eles poderiam tomar decisões e aplicar medidas para salvar o país. Por isso, abrigos especialmente fortificados foram construídos sob sigilo absoluto em diferentes partes da cidade.

Para fugir de Moscou em caso de bombardeio, eles também necessitariam de um meio de transporte seguro. As linhas de metrô comuns eram impróprias por causa do baixo nível de proteção. Desse modo, um “segundo metrô” foi construído, conectando os principais abrigos do governo e centros de comando subterrâneos. Esse sistema, rotulado de Metrô-2 pelos moscovitas, ultrapassava as fronteiras da cidade e terminava em imensos abrigos na periferia.

As evidências que comprovam a existência desses sistemas se tornaram públicas há algum tempo. Em primeiro lugar, existem tampões para entrada de minas e grades de ventilação em diferentes partes da cidade. As linhas do metrô de Moscou foram construídas usando técnicas de perfuração profunda. Isto é, um poço de aproximadamente seis metros de diâmetro e 60 metros de profundidade foi cavado para chegar ao nível onde a construção da linha tem, de fato, início. Depois, o poço foi usado tanto para o transporte de máquinas de mineração, bem como para remover a terra.

Após a construção ser concluída, o poço era fechado. Quando aberto, significa que há obras em andamento. Nos anos 1970, um desses poços era observado perto da Praça Vermelha, no interior do edifício Gostini Dvor, e podia ser visto em fotos panorâmicas do Kremlin. Hoje em dia, outro poço pode ser visto perto da estação de metrô Kitai-Gorod, embora seja evidente que a construção de corredores subterrâneos para fins civil na região foi interrompida décadas atrás.

Foto: Dmítri Berdassov
Há também alguns poucos ativos na periferia da cidade e para além de suas fronteiras, onde não existe metrô. A aparência gasta e quase abandonadas desses poços e grades de ventilação contribui para o seu sigilo, apesar de serem devidamente vigiados e terem acesso bloqueado.

Outras evidências também podem ser encontradas nas próprias estações de metrô de Moscou, onde há escadarias bloqueadas e portões que levam ao “nada”. Isso sem falar da famosa “linha beco sem saída”, que pode ser vista à esquerda do trem que vai da estação Sportivnaia para a Universitet. A linha, de acordo com exploradores amadores, termina perto de um portão enorme, que muitos apontam ser uma das entradas para o Metrô-2.

Uma fonte não identificada disse à Gazeta Russa que cada um dos funcionários com acesso ao Metrô-2 recebe permissão apenas para uma parte do sistema. Nenhum deles sabe exatamente quantos níveis existem, de modo que ninguém têm uma noção geral da estrutura nem do plano completo.

Abrigos de Stálin

Em Moscou, há dois “abrigos de Stálin” que podem ser facilmente acessados mediante solicitação de visita guiada. O primeiro deles está localizado perto do hotel Izmailovskaia e acredita-se que tenha sido construído ainda na década de 1930. Porém, na realidade, esse lugar é uma antiga área de armazenamento que foi redecorado na década de 1990 para servir de atração turística.
O segundo abrigo fica perto da estação de metrô Taganskaia. Porém, apesar de ser um abrigo de verdade, não tem conexão alguma com Stálin, mesmo porque sua construção foi concluída após a morte do líder soviético. Esse local foi construído como um abrigo para a Sede Forças Aéreas de Longa Distância.
O abrigo está localizado a 60 metros abaixo da terra e ocupa uma área de 7.000 metros quadrados. Na década de 1960, o abrigo foi equipado com sistemas de suporte à vida, suprimento de água e comida para abastecer os oficiais por um longo período, mas, nos anos 1980, sua situação se deteriorou e acabou sendo desativado em 1995.

Naquela época, o revestimento de aço nas paredes e as portas herméticas eram os únicos objetos originais que restaram no local. Seu principal ponto de entrada, com um elevador que leva até o fundo do abrigo, é protegido por uma tampa de concreto com 6 metros de espessura, e está escondido dentro de uma casa falsa do século 19.

Essa tampa protege o poço de uma onda de explosão nuclear e pode resistir a um impacto direto de bomba aérea. Atualmente, o abrigo é de propriedade da empresa privada responsável pelo Museu da Guerra Fria, que oferece visitas guiadas, festas, banquetes e apresentações comerciais, como o lançamento mundial do jogo de computador Red Alert 3.

Entre as principais atrações turísticas do abrigo, há um alarme antiaéreo que soa durante cada visita guiada e a simulação de um ataque com mísseis nucleares que podem ser “disparados” de dentro do abrigo pelos visitantes.

Foto: Dmítri Berdassov
“Costumava gerar medo, especialmente entre as mulheres e as crianças, mas o temor passava assim que o guia informava o grupo se tratar de alarme falso”, conta Viktor B., ex-guia do abrigo,  sobre a reação dos visitantes ao alarme antiaéreo. “Houve, porém, algumas situações desconfortáveis. Certa vez, uma senhora da América Latina desmaiou ao som do alarme, e um rapaz molhou as calças ao ouvi-lo.”

Segundo Viktor, “todos reagem com entusiasmo ao truque do lançamento de mísseis, sobretudo os americanos, que começam a ‘bombardear’ a sua terra natal de imediato”. E, apesar de a Guerra Fria estar bem distante da realidade atual, o ex-guia garante que existem muitos outros abrigos estratégicos de verdade em perfeitas condições de funcionamento.

Fonte: Gazeta Russa