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"Torturei uns trinta"


O ex-tenente Marcelo Paixão de Araújo: herdeiro
de uma das grandes fortunas mineiras

Marcelo Paixão de Araújo debruçou-se sobre uma mesa de vidro, na sala de seu amplo apartamento, em Belo Horizonte, pediu à empregada para trazer biscoitos, água mineral e café — e prestou a VEJA um histórico depoimento de quase duas horas. Com ele, tornou-se o primeiro agente da repressão a admitir em público que torturava presos políticos durante a ditadura militar. Hoje, passados trinta anos, sua vida é tranqüila. Herdeiro dos fundadores do sólido Banco Mercantil, Marcelo Paixão de Araújo formou-se em direito e trabalha como corretor de seguros, em Betim, a 30 quilômetros de Belo Horizonte, para onde vai dirigindo seu Toyota do ano. Casado, duas filhas, acaba de mudar-se para um apartamento de 300 metros quadrados, na região da Savassi, um dos bairros mais chiques da capital mineira. Apesar dos 15 quilos acima do peso ideal, ele maneja seu barco no lago de Furnas, onde tem uma casa para os fins de semana. De manhã, lê por uma hora, antes de sair para o trabalho. Em casa, tem uma biblioteca de 2.500 volumes, onde se podem encontrar desde clássicos da literatura brasileira até manuais de tortura. Ele gosta de livros de política e de História e, nos últimos tempos, tem-se dedicado à leitura de biografias. Leu A Lanterna na Popa, do ex-ministro Roberto Campos, e Chatô, o Rei do Brasil, do jornalista Fernando Morais.

"A tortura causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, mas só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu?" (risos)

Em 1968, Marcelo Paixão de Araújo servia como tenente no 12º Regimento de Infantaria do Exército em Belo Horizonte, um dos três centros mais conhecidos de tortura da capital mineira durante a ditadura militar. Ali, permaneceu até 1971. "Fiquei porque achava que a única forma de consertar o país era por meio das Forças Armadas", diz. Ao deixar a caserna, foi trabalhar na empresa do pai, a Minas Brasil, braço de seguros do Banco Mercantil, onde ocupava o cargo de superintendente técnico. Raríssimas vezes usava terno e gravata. Preferia trabalhar de calça jeans. "Ele era diferente do pai e dos irmãos. Era um moleque, uma pessoa muito alegre, que vivia contando piada", diz uma ex-funcionária da empresa. "Descobri que eu não havia nascido para ser executivo", conta Marcelo. Ali, trabalhou seis anos, mas teve tantos problemas que saiu da empresa para o divã do analista. Fez sete anos de análise. Ele garante que não recorreu ao divã em função da passagem pelo porão e diz que vive em paz com seu passado. Na entrevista a VEJA, o ex-tenente alternou estados de humor, indo da descontração à rispidez em segundos. Aqui, ele conta como e por que torturou três dezenas de presos políticos, de 1968 a 1971:

O engenheiro Leovi Carísio, hoje com 52 anos, foi uma das vítimas de tortura do ex-tenente. Era militante do grupo Colina/VAR-Palmares, ficou mais de três anos preso e passou pelo pau-de-arara, "esticamento" e tomou choque. Ele explica: "Marcelo me obrigava a deitar de costas numa mesa. Aí, ele amarrava meus punhos e tornozelos aos pés da mesa e puxava de um lado ao outro até envergar meu tronco. Era horrível" Foto: Moreira Mariz  

Veja — Durante a ditadura, em depoimentos na Justiça Militar, 22 presos políticos acusam o senhor de tortura. É verdade?

Araújo — Quem lhe disse isso?

Veja — Vi nos processos na Justiça Militar. E, pela quantidade de presos que o citaram, o senhor é o agente da repressão que mais praticou torturas. É verdade?

Araújo — Sim. Todos os depoimentos de presos que me acusam de tortura são verdadeiros.

Veja — O senhor fez isso cumprindo ordens ou achava que deveria fazê-lo?

Araújo — Eu poderia alegar questões de consciência e não participar. Fiz porque achava que era necessário. É evidente que eu cumpria ordens. Mas aceitei as ordens. Não quero passar a idéia de que era um bitolado. Recebi ordens, diretrizes, mas eu estava pronto para aceitá-las e cumpri-las. Não pense que eu fui forçado ou envolvido. Nada disso. Se deixássemos VPR, Polop (organizações terroristas) ou o que fosse tomar o poder ou entregá-lo a alguém, quem se aproveitaria disso seriam os comunistas. Não queríamos que o Brasil virasse o Chile de Salvador Allende. Nessa época, eu tinha 21 anos, mas não era nenhum menino ingênuo (risos). O pau comia mesmo. Quem falar que não havia tortura é um idiota.

Ex-militante do PCB, três anos de cadeia, o hoje professor de História Ápio Costa Rosa, 57 anos, carrega marcas físicas da tortura. "Marcelo apagava cigarro no meu corpo, mas a pior coisa que ele fez foi me deitar no chão, colocar um cabo de vassoura no meu pescoço e subir em cima. Aí, quando eu ia respirar, ele derramava óleo no meu rosto. Estou pagando por isso tudo até hoje", diz

Veja — Como o senhor aprendeu a torturar?

Araújo — Vendo.

Veja — O que o senhor fazia?

Araújo — A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o ponto (lugar marcado para encontros), os militantes do grupo. Era o primeiro estágio. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória.

Veja — Como funciona a palmatória?

Araújo — Você manda o sujeito abrir a mão. O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez, quinze bolos na mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A etapa seguinte era o famoso telefone das Forças Armadas. Tinha gente que dizia que no telefone vinha inscrito US Army (indicando que era produto das Forças Armadas americanas). Balela. Era 100% brasileiro. O método foi muito usado nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas o nosso equipamento era brasileiro.

Veja — E o que é o telefone?

Araújo — É uma corrente de baixa amperagem e alta voltagem.

Veja — De quanto?

Araújo — Posso pegar o manual para informar com certeza. Mas não tem perigo de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas pontas dos dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre do mesmo lado do corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é deixar a corrente passar pelo coração. Aí mata.

Veja — Qual era o estágio seguinte quando o preso não falava?

Araújo — O último estágio em que cheguei foi o pau-de-arara com choque. Isso era para o queixo-duro, o cara que não abria nas etapas anteriores. Mas pau-de-arara é um negócio meio complicado. No Rio e em São Paulo gostavam mais de usar o pau-de-arara do que em Minas Gerais. Mas a gente usava, sim. O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marca. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal. Também tinha o afogamento. Você mete o preso dentro da água e tira. Quando ele vai respirar, coloca dentro de novo, e vai por aí afora. É como um caldo, como se faz na piscina. Era eficiente. Mas eu não gostava. Achava que o risco era muito alto. Afogamento não era a minha praia (risos). A geladeira, uma câmara fria em que se coloca o preso, não funcionava em Belo Horizonte. Era muito caro. O que tinha era o trivial caseiro. O menu mineiro.

Aos 53 anos, o engenheiro mecânico José Antônio Gonçalves Duarte, ex-militante do Partido Operário Comunista, POC, lembra com clareza seu suplício: "Esse pulha do Marcelo me torturou durante 98 dias. Era choque nos dedos, ouvidos e órgãos genitais, e afogamento. Há seis anos, eu o vi em São Paulo. Pensei: 'Como é fácil matar esse cara'. Minha mulher me puxou pelo braço e fomos embora". Fotos: Egberto Nogueira

Veja — O que mais tinha no menu mineiro?

Araújo — A dança da lata eu praticava muito.

Veja — Como era?

Araújo — Eu pegava duas latinhas de ervilha e abria. Depois, colocava o cara de pé, em cima.

Veja — Sangrava?

Araújo — Não. Ele falava antes disso (gargalhadas). Mas quem era mais leve agüentava mais tempo.

Veja — E quem não tinha o que dizer?

Araújo — Ia para a lata igual. Mas é muito fácil identificar quem tinha e quem não tinha o que falar.

Veja — Como?

Araújo — Militante é diferente. Jornalista é diferente de militar, que é diferente de empresário, que é diferente de militante. Ele se deixa trair por uma série de coisas. O linguajar, para começar, é diferente. Então, inocente só era torturado quando o agente era muito cru, sem conhecimento algum da práxis marxista, ou quando era um sádico. É muito fácil identificar uma pessoa que não é de esquerda. Vou dar um exemplo. Há algum tempo fui comprar dólares no Banespa, no câmbio turismo. Como até hoje tenho minha carteira militar, apresentei-a no lugar da identidade. O atendente viu a carteira, olhou para mim e perguntou:

— O senhor serviu no colégio militar?

— Tive uma época lá. Por quê? Você foi aluno lá?

— Não.

— Você foi soldado?

— Não.

— Escuta, eu te prendi?

— Não foi bem assim. Fui preso e o senhor foi o único que acreditou em mim. Apanhei com palmatória antes de o senhor chegar e me liberar.

— Sorte, hein? Já pensou se fosse o contrário? (risos).

Veja — O senhor já reencontrou alguma pessoa que torturou?

Araújo — Sim. Eventualmente, eu encontro ex-presos meus, inclusive os que apanharam. E o relacionamento não é muito ruim, não. Não é aquele negócio de dar beijinhos e abraços. Mas é um relacionamento de respeito. Há pouco tempo, aqui em Belo Horizonte, encontrei o Lamartine Sacramento Filho, que é professor em uma faculdade local. Segurei ele no ombro e disse: 'Você não me conhece, não?' Ele levou um susto. Aí eu disse: 'Você tá bom?' Ele disse que sim e não quis mais conversa. Mas também não passa batido, não (risos). Não deixo passar batido (sério).

Veja — Por quê?

Araújo — É o meu esquema. Não deixo passar batido. Não vai passar batido. Não passa batido. Vou lá, coloco a mão no ombro dele e digo: Não me esqueci de você, não. Você lembra de mim? Estamos aí. A vida continua.

Veja — Quantas pessoas o senhor já torturou?

Araújo — Não tenho idéia. Não sou igual a matador que faz talho na coronha do revólver para cada um que mata. Mas você quer um número aproximado?

Veja — Sim.

Araújo — Uns trinta.

Veja — O senhor matou alguém em sessões de tortura?

Araújo — Não. Já atirei, mas não matei.

Veja — Mas morreu gente onde o senhor servia.

Araújo — Pouca gente. O João Lucas Alves, que era um ex-sargento da FAB, foi um deles. Ele morreu na tortura.

Veja — O senhor participou?

Araújo — Não. Isso foi alguns dias antes de eu ser convocado. Depois que eu saí, se morreu alguém eu não sei.

Veja — O que é besteira e o que é verdade no que já se escreveu sobre tortura no Brasil?

Araújo — Há algumas pequenas inverdades. Mas a maioria dos fatos é correta. Há pouca besteira e muita verdade. As pessoas que participaram desse período até hoje não falaram abertamente. As altas autoridades do país foram as primeiras a tirar o seu da reta. Morri de rir ao ler o livro sobre o Geisel (refere-se ao livro que reúne as memórias do ex-presidente Ernesto Geisel, publicado no ano passado pela Fundação Getúlio Vargas). Segundo o depoimento de Geisel, ele não sabia de nada, mandava apurar tudo, era um inocente. É uma gracinha isso tudo. Todos os agentes do governo que escreveram sobre a época do regime militar foram muito comedidos. Farisaicos, até. Não sabiam de nada, eram santos, achavam a tortura um absurdo. Quem assinou o AI-5? Não fui eu. Ao suspender garantias constitucionais, permitiu-se tudo o que aconteceu nos porões. É claro que havia diversas pessoas envolvidas nisso. Mas eu não vou citar o nome de ninguém. Falo apenas de mim.

José Adão Pinto, que pertencia à Corrente Revolucionária, um braço mineiro da ALN, hoje é dono de uma livraria em São Paulo, tem 51 anos, casado, sem filhos: ele ficou estéril devido às intermináveis sessões de choque nos órgãos genitais e sofre de hemorróidas, pois lhe introduziam um cabo de vassoura no ânus. "Todo mundo me torturava, e não apenas o Marcelo, pois eu era o único negro"

Veja — Por que o senhor deixou o Exército?

Araújo — Estava numa encruzilhada. Ou eu ia para a academia ou tomava outro rumo na vida. Preferi terminar o meu curso de direito.

Veja — A tortura não é uma coisa desumana?

Araújo — (Silêncio)

Veja — Quem tortura age como um monstro?

Araújo — Monstro? (em tom indignado). Não. As pessoas que transitam em determinado meio tendem a se relacionar com seus pares. Então, militar andava com militar, policial andava com policial. Essas práticas eram normais entre nós. Quem eu achava que era monstro eram os sádicos. Eu mesmo afastei dois sargentos. Não queria sádicos trabalhando comigo.

Veja — O senhor tem medo de alguma vingança?

Araújo — Não. Andei armado de 1973 até 1980. Tinha um Smith & Wesson, calibre 38, de cinco tiros. Hoje não uso mais arma. Minha preocupação era a violência. Achava que tinha obrigação de reagir à violência. Aí descobri que ia armar bandido. Se for para andar armado, vou atirar pelo menos duas vezes por semana, não vou andar no volante, enfim, há uma série de precauções que precisam ser tomadas.

Veja — O senhor não tem medo de que aconteça algo para suas filhas?

Araújo — Uma das minhas meninas estuda direito na PUC. Há um ano, um débil mental falou para toda a sala que o pai dela tinha sido do Doi-Codi, que torturava gente, esse tipo de coisa.

Veja — Ela já sabia do seu passado?

Araújo — Sim. Quando uma tinha 13 anos e a outra 14, contei tudo. Foi na época em que saiu o livro Brasil: Nunca Mais. O meu nome está lá, na segunda página, para todo mundo ver (risos). É engraçado. Todo mundo tem o livro, mas pouquíssima gente leu.

Veja — Foi difícil essa conversa?

Araújo — Não foi muito difícil, não. Sou um bom pai. Minhas filhas foram bem criadas. Conhecem o pai que têm. Eu nunca escondi as coisas. Nunca disse a elas que fui um santinho. Disse a elas que não pensassem que eu não bati em alguém. Bati, sim. Elas ficaram um pouco chocadas e disseram: 'Pai, já sabemos, mas agora pára'. Não queriam detalhes. Eu segui a minha vida. Não adianta esconder esse tipo de coisa. A verdade uma hora vem à tona.

Veja — O senhor sofreu algum tipo de crise de consciência em função da tortura?

Araújo — Isso sempre deixa dramas na gente. É uma coisa pesada. Não é bom tratar um semelhante dessa forma. Você não quer aproveitar e comer um biscoitinho? (Ele come um biscoito.) Depois de deixar o Exército, tive uma grande crise de depressão. Fiz análise durante sete anos. Mas não foi por isso. Tinha problemas existenciais que não podem ser relacionados com a minha atividade no porão. Tinha problemas na empresa. Queria fazer coisas e o pessoal não queria. Foi problema profissional. Tinha um salário muito bom e ele piorou demais. E dinheiro é uma desgraça. É bom quando não faz falta.

Veja — O senhor se arrepende de ter torturado?

Araújo — Não me arrependo. Mas se você me perguntar se eu faria de novo, é outra conversa. É como você me perguntar se eu gostaria de voltar a ter 21 anos hoje. Com a experiência e o dinheiro que tenho atualmente, quero (risos). Mas não me arrependo de nada do que fiz.

Veja — O senhor faria tudo outra vez?

Araújo — Se achasse que não havia outro caminho para livrar o país do comunismo, sim. Mas, em princípio, não. Porque a tortura ou, eufemisticamente, o interrogatório por meios violentos, que não precisa necessariamente ser a porrada, causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, porém só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu (risos).

Veja — Por que o senhor fazia isso, então?

Araújo — O índice de aproveitamento é de mais de 90%. A primeira vez que vi um interrogatório, como assistente, fiquei chocado. E olha que não tinha agressão. Foi só interrogatório policial duro.

Veja — O que o deixou chocado?

Araújo — A forma como o interrogado desmontou sem apanhar. Não adianta fazer interrogatório sem saber quem é o sujeito, de onde veio e o que faz. Era bobagem pegar um sujeito que foi flagrado com um folheto que se imaginava ser da ala vermelha do PCBR ou do PC do B. Isso não levava a lugar algum. Sabe o que funcionava demais? Um tapa com força na mesa. O cara levava um susto. E falava. Quando vi esse interrogatório, fiquei com pena do sujeito. Eram cinco pessoas em volta dele, gritando, ameaçando, chamando-o de mentiroso. Achava que o cara era inocente. Perdi a pena quando ele abriu o bico. Aí eu disse: "Ah, seu sem-vergonha, quer dizer que isso funciona". Com o tempo, vi outros interrogatórios mais duros. Em seguida, passei a atuar como agente.

Veja — Por que o senhor participou disso tudo?

Araújo — Eu achava que havia a necessidade de destruir as organizações de esquerda do país. Era uma convicção íntima. Nunca gostei do marxismo. Sempre fui visceralmente antimarxista. Isso é uma questão de formação. Meu pai sempre foi antimarxista. A coisa complicou quando descobri que o método (a tortura) era rápido. Bastava levar para o porão e pronto. Mas raríssimas vezes deixei de começar um interrogatório conversando com o indivíduo. Não vou dizer que no calor da prisão o cara não tenha ido direto para o porão. Já aconteceu, sim. Mas foram poucas vezes. Por que sabem o meu nome completo? Porque eu nunca escondi o meu nome. Tinha convicção quanto ao que estava fazendo. Eu não tinha codinome, como quase todo mundo. Portanto, não sou o maior torturador do país, mas sim um dos poucos que agiram de cara limpa.

Veja — Hoje, quase três décadas depois, o senhor não faz nenhuma ressalva ao passado?

Araújo — É preciso admitir que os resultados foram pífios. Atacamos muito a subversão e pouco a corrupção. A única coisa que o Geisel falou em seu livro que eu lhe dou razão é que não se pode fazer um movimento apenas contra. Tem de ser a favor de algo. Faltava isso no movimento. Houve outros equívocos. Para acabar com as lideranças de esquerda, acabaram com as de direita também. Cercearam o movimento estudantil, a política partidária. Foi uma pena. A gente podia ter aproveitado para fazer uma grande remodelação do país. Recentemente, lendo as memórias do Oswaldo Aranha, vi que ele diz o mesmo da Revolução de 1930. Tinha-se de aproveitar aquele período discricionário rapidamente, para impor com agilidade as reformas necessárias. Eu concordo inteiramente com ele.

Veja — Por que o senhor só resolveu dar esse depoimento agora?

Araújo — Porque ninguém me havia perguntado sobre isso antes.

Por Alexandre Oltramari
Fonte: Veja

Comandante Timoleón Jiménez já foi eleito novo chefe do Secretariado das FARC-EP

Reproduzimos o comunicado em que as FARC-EP informam da eleição de Timoleón Jiménez como novo chefe do Secretariado e garantem a continuidade da luta guerrilheira até a vitória.


Caiu em combate

Aos guerrilheiros das FARC-EP

Às milícias bolivarianas

Camaradas:

A 4 de novembro, caiu em combate o comandante das FARC Alfonso Cano nas montanhas do Cauca do município de Suárez. Desde fazia dois anos era perseguido por uma matilha de mais de 7.000 homens guiados por tecnologia militar de ponta e uma flotilha de aviões e helicópteros, sob as ordens de assessores militares estadunidenses, mercenários israelenses e o alto comando militar.

Os guerrilheiros das FARC sentimo-nos orgulhosos de que o comandante caia lutando no campo de combate e morto como morrem os verdadeiros chefes militares, os heróis do povo, os valentes. Mostrando com seu grito de guerra e com o chumbo, com seu exemplo, que assim morrem os homens e as mulheres cabais, consequentes com o que pensam, e que juraram pela justiça e a dignidade do povo, lutar até as últimas consequências. Este é o exemplo que levarão galvanizado sempre na consciência os guerrilheiros das FARC que juraram vencer, e vencerão.

Não há morte mais formosa que a que surge lutando pela liberdade, por uma causa altruísta, coletiva, enxergando em seu sonho, como Alfonso, a Nova Colômbia, a da dignidade humana, a do emprego, a da educação e a saúde gratuitas, a da soberania do povo, da terra para os camponeses, da morada para os que carecem dela, uma pátria nova, socialista, justiceira, bolivariana, propulsora da concreção no continente de uma Grande Nação de Repúblicas fraternas.

Esses pobres analistas e políticos medíocres, bajuladores do poder, que hoje falam do derrubamento das FARC ante a morte do comandante, são tão ignorantes que nem sequer merecem o gesto de nosso desprezo. Não foi esquartejado o mito de Alfonso Cano, como afirmam perdidos na bebedeira de seu triunfalismo. Não conseguiram advertir que a imagem de Alfonso caído em combate na vereda Chirriaderos cresce como arquétipo e é motivo do mais alto orgulho fariano e de um povo que foi capaz de produzir comandantes luminosos. Estão tão perdidos, que ainda celebram a morte do mais fervente partidário da solução política e da paz.

A moral do guerrilheiro fariano sempre cresce na adversidade, porque é de estirpe bolivariana e marulandiana. Aqui há consciência, anseio incandescente de combate e de vitória. Tudo pela dignidade de um povo, por sua liberdade. Perdem seu tempo, alucinam, os que sonham com a claudicação e desmobilização da guerrilha.

Crescerá a torrente sonora do protesto e da mobilização popular que hoje assusta a oligarquia neoliberal que lacera a soberania com sua política de "segurança", que contra a Colômbia e sua gente, favorece o investimento e os interesses das transnacionais. Que comecem a tremer os usurpadores do poder que até hoje se negaram a pagar a imensa dívida social contraída com o povo. A indignação está percorrendo o mundo no meio da crise sistémica do capital. Podem estar certos que não poderão deter o fogo insurgente contra a tirania, pela paz, e que a guerrilha aumentará a sua marcha para a vitória com as bandeiras do Movimento Bolivariano despregadas ao vento, com o povo.

Queremos informar-los de que o camarada Timoleón Jiménez, com o voto unânime de seus camaradas do Secretariado, foi designado, a 5 de novembro, novo comandante das FARC-EP. Garante-se assim a continuidade do Plano Estratégico para a tomada do poder para o povo. A coesão de seus comandos e combatentes, como dizia Manuel Marulanda Vélez, continua sendo um dos mais importantes valores das FARC.

Comandante Alfonso Cano: seus princípios no campo militar e político serão seguidos à risca.

VIVA A MEMÓRIA DO COMANDANTE ALFONSO CANO!

JURAMOS VENCER, E VENCEREMOS.

Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP

Montanhas da Colômbia, novembro de 2011

Malditos comunistas!

Acabaram os jogos Pan-Americanos e mais uma vez ficamos atrás de Cuba. 

Mais uma vez!

Isso não está certo. Este paiseco tem apenas 11 milhões de habitantes e o nosso tem 192 milhões. Só a Grande São Paulo já tem mais gente que aquela ilhota.

Quanto à renda per capita, também ganhamos fácil. A deles foi de reles 4,1 mil dólares em 2006. A nossa: 10,2 mil dólares.

Pô, se possuímos 17 vezes mais gente do que eles e nossa renda per capita é quase 2,5 vezes maior, temos que ganhar 40 vezes mais medalhas que aqueles comunas. 

Mas neste Pan eles ganharam 58 ouros e nós, apenas 48. 

Alguma coisa está errada. Como eles podem ganhar do Brasil, o gigante da América do Sul, a sétima maior economia do mundo?

Já sei! É tudo para fazer propaganda comunista. 

A prova é que, em 1959, ano da revolução, Cuba ficou apenas em oitavo lugar no Pan de Chicago. Doze anos depois, no Pan de Cáli, já estava em segundo lugar. Daí em diante, nunca caiu para terceiro. Nos jogos de Havana, em 1991, conseguiu até ficar em primeiro lugar, ganhando dos EUA por 140 a 130 medalhas de ouro. 

Sim, é para fazer propaganda do comunismo que os cubanos se esforçam tanto no esporte. E também na saúde (eles têm um médico para cada 169 habitantes, enquanto o Brasil tem um para cada 600) e na educação (a taxa de alfabetização deles é de 99,8%). Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano de Cuba é 0,863, enquanto o nosso é 0,813. 

Tudo para fazer propaganda comunista!

Aliás, eles têm nada menos do que trinta mil propagandistas vermelhos na cultura esportiva. Ou professores de educação física, se você preferir. Isso significa um professor para cada 348 habitantes. E logo haverá mais ainda, porque eles têm oito escolas de Educação Física de nível médio, uma faculdade de cultura física em cada província, um instituto de cultura física a nível nacional e uma Escola Internacional de Educação Física e Desportiva. 

Há tantos e tão bons técnicos em Cuba que o país chega a exportar alguns. Nas Olimpíadas de Sydney, por um exemplo, havia 36 treinadores cubanos em equipes estrangeiras.

E existem tantos professores porque a Educação Física é matéria obrigatória dentro do sistema nacional de educação. 

Até aí, tudo bem. No Brasil a Educação Física também é obrigatória. 

A questão é que, se um cubano mostrar certo gosto pelo esporte, pode, gratuitamente, ir para uma das 87 Academias Desportivas Estaduais, para uma das 17 Escolas de Iniciação Desportiva Escolar (EIDE), para uma das 14 Escolas Superiores de Aperfeiçoamento Atlético (ESPA), e, finalmente, para um dos três Centros de Alto Rendimento.

Ou seja, se você tiver aptidão para o esporte, vai poder se desenvolver com total apoio do estado. 

Pô, assim não vale!

Do jeito que eles fazem, com escolas para todos, professores especializados e centros de excelência gratuitos, é moleza. 

Quero ver é eles ganharem tantas medalhas sendo como nós, um país onde a Educação Física nas escolas é, muitas vezes, apenas o horário do futebol para os meninos e da queimada para as meninas. Quero ver é eles ganharem medalhas com apoio estatal pífio, sem massificar o esporte, sem um aperfeiçoamento crescente e planejado. 

Quero ver é fazer que nem a gente, no improviso. Aí, duvido que eles ganhem de nós. Duvido!

Malditos comunistas...


José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.

Cuba: potência no esporte

A tabela abaixo mostra o número de medalhas de ouro conquistadas nos Jogos Panamericanos de Guadalajara, em 2011, versus o número de milhões de habitantes de cada país.

Como se pode ver, a Cuba socialista é uma potência nos esportes, muito à frente do segundo colocado.



Fonte: CubaDebate

Entrevista rara de Fidel Castro à extinta Rede Manchete

Entrevista rara de Fidel Castro à extinta Rede Manchete.



Fonte: Na Práxis

Che Guevara Vive!

Ato em memória aos 44 anos da imortalidade de Che Guevara. Exibição de documentário, debate e atividades culturais.

Data: 18/10/2011, terça-feira, às 19h00.
Local: AFFEMG - Rua Sergipe, 893, Funcionários - Belo Horizonte - MG.
Informações: (31) 9866-6898

Evento no Facebook:
https://www.facebook.com/event.php?eid=239804046067701


Sócrates: "A estrutura política cubana é extremamente democrática"


Abaixo um interessante trecho de uma entrevista do ex-jogador Sócrates ao jornalista Juca Kfouri.

Folha - Por falar nisso, em toda essa impressionante onda de carinho que cercou você nesses dias, há também quem diga que de democrata você não tem nada porque deu o nome de Fidel a seu caçula. É mais uma de suas contradições?

Sócrates - De fato, estou tirando muita coisa de positivo neste meu quase nascer de novo. Quanto ao Fidel Castro, símbolo da Revolução Cubana, como Che Guevara, as pessoas estão mal informadas. No nosso país se conhece muito pouco o que acontece fora daqui e mesmo aqui dentro. A estrutura política cubana é extremamente democrática. Eu queria que meu filho nascesse lá, eu queria ser um cubano. Nós estivemos lá agora, nós fomos passear! Peguei minha mulher e fui lá, passear, curtir lampejos de humanidade. Um povo como aquele, numa ilhota, que há mais de 60 anos briga contra um império, só pode ser muito forte, e ditadura alguma faz um povo tão forte. Ditadura não é tempo de serviço, necessariamente é qualidade de serviço. Em Cuba, o povo participa de tudo, em cada quarteirão. E aqui? Pra quem você reclama? Você vota e não tem pra quem reclamar.

Fonte: FSP




Eduardo Galeano e a questão ambiental

Quatro frases que fazem o nariz do Pinóquio crescer:

1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.

A saúde do mundo está feito um caco. "Somos todos responsáveis", clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.

Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao "sacrifício de todos" nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras - inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio - não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.

Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, "faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades". Uma experiência impossível.

Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.

2- É verde aquilo que se pinta de verde.

Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. "Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas", esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.

Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: "os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro."

O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.

O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.

A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.

3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas... As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.

No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.

A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil.

Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.

4- A natureza está fora de nós.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: "Honrarás a natureza, da qual tu és parte." Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo.

Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão.

Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.


"As Farc não serão e não podem ser derrotadas"

Em entrevista exclusiva ao jornal A Verdade, James J. Brittain, sociólogo, ph.D. em sociologia com ênfase em economia política e professor assistente do Departamento de Sociologia da Acadia University, no Canadá, fala sobre as Farc-EP (sigla das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo), contando um pouco de sua história e esclarecendo vários mitos difundidos sobre a guerrilha. Brittain passou mais de cinco anos vivendo em meio às Farc-EP, participando de várias de suas atividades, conhecendo suas estruturas e entrevistando combatentes e camponeses residentes nas regiões sob domínio da insurgência. Parte dessa pesquisa, juntamente com uma extensa bibliografia, resultaram em seu livro Revolutionary social change in Colombia - the origins and direction of the Farc-EP, lançado em 2010, e que já é considerado referência básica no assunto.


A Verdade - Há quanto tempo você vem pesquisando sobre as Farc-EP? Conte-nos um pouco da sua experiência na Colômbia junto à guerrilha.

James Brittain - Desde o fim da década de 1990 eu tenho me interessado e tentado compreender as complexidades da guerra civil colombiana, particularmente do ponto de vista dos mais marginalizados. Isso me levou à realidade daqueles em luta direta com a classe dominante na Colômbia - isto é, me levou a um encontro pessoal com as Farc-EP. Quando comparada com muitas outras partes da América Latina - onde algum tipo de mudança social é vista ou percebida como aparentemente funcional dentro dos limites do modelo eleitoral liberal democrático - a Colômbia demonstra uma realidade bem diferente, e com isso, a necessidade do conflito direto de classe. Isso me levou a começar a me comunicar com a guerrilha e mais tarde, a conduzir pesquisa de primeira mão em áreas sob seu controle/operação durante grande parte da última década.

Que circunstâncias objetivas levaram à formação das Farc-EP?

A resposta é bem complexa, mas vou tentar responder. De forma resumida, muitos daqueles oprimidos por uma grave exclusão social, pela repressão estatal, por um governo apático e pelo agravamento das condições econômicas perceberam que romper relações de classe limitadas e desiguais por meios convencionais era, literalmente, impossível. Em resposta à expansão de interesses capitalistas e a um estado engajado em atividades coercitivas extremas contra uma população rural, e sendo este estado, ao mesmo tempo, inativo na promoção de serviços de saúde, seguro social agrário e uma enorme lista de serviços sociais como educação, as Farc-EP se estabeleceram durante os anos 1960 como um coletivo de autodefesa camponês que criticava a interferência imperialista na Colômbia, enquanto colocava em prática estratégias de reforma agrária e modelos alternativos de desenvolvimento via aliança operário-camponesa. Isso, no entanto, ocorreu apenas depois de décadas de tentativas de alcançar alguma forma de mudança social através de desenvolvimento alternativo e meios pacíficos. Sem nenhuma outra possibilidade, as Farc-EP foram constituídas, então, em maio de 1964.

As Farc-EP são uma organização marxista? A guerrilha perdeu hoje sua motivação ou orientação ideológica inicial, como é divulgado pela imprensa burguesa?

Nos últimos 47 anos as Farc-EP se desenvolveram num movimento sociopolítico complexo e organizado, com membros de todos os setores da sociedade colombiana; populações indígenas, afrocolombianos, trabalhadores rurais sem terra, intelectuais, sindicalistas, professores, setores do proletariado urbano e por aí vai - todos esses lutando por desenvolvimento social através da realização de uma sociedade socialista - e é, com certeza, um movimento baseado na tradição marxista. Como foi notado por Bernard-Henri Lévy após entrevistar membros da guerrilha, o marxismo-leninismo das Farc-EP "não me lembra nada que já tenha ouvido ou visto em qualquer outro lugar... isso é um impecável comunismo; juntamente com Cuba, este é o último comunismo na América Latina e, certamente, o mais forte".

Uma das razões pelas quais muitos ingenuamente pensam que a guerrilha "perdeu sua direção ideológica" pode ser baseada na estratégia de longo prazo das Farc-EP de compreensão e aplicação do marxismo no contexto de uma realidade colombiana.

Desde sua formação as Farc-EP permanecem comprometidas à práxis da transformação revolucionária das relações sociais na Colômbia. Para que isso ocorra é necessário que a revolução seja das, com e para as populações marginalizadas dentro do país, o que levou as Farc-EP a confiar na consciência interna e no suporte das classes trabalhadoras rural e urbana. Já foi bem documentado que a guerrilha foi pouquíssimas vezes apoiada - se é que foi mesmo apoiada - por auxílio estrangeiro, e tem, ao contrário, sustentado sua luta pela base. Mesmo em grande solidariedade, a guerrilha se dissociou, tanto material quanto imaterialmente, da União Soviética antes do seu colapso, o que é uma forte indicação de por que a guerrilha não sofreu perdas materiais quando o regime soviético implodiu. De fato, esta estratégia orgânica fez que as Farc-EP se fortalecessem sociopoliticamente e aumentassem por todo o país durante um período em que outras guerrilhas latino-americanas, que eram em parte dependentes de apoio soviético ou cubano, se enfraquecessem ou que passassem de seu radicalismo para uma retórica mais liberal de aspirações políticas.

As Farc-EP têm alguma ligação com o plantio de coca ou com o tráfico de drogas?

Uma tremenda desinformação tem sido apresentada neste assunto. Contrariamente à crença popular, as Farc-EP foram, por muitos anos, severamente contra o cultivo de plantações relacionados à indústria da droga. No entanto, à medida que a economia rural e as colheitas diminuíram ao passar dos anos, como resultado de políticas neoliberais - e não havia mais retorno em plantações tradicionais - muitos camponeses não tinham muitas opções a não ser subsidiar suas rendas com o cultivo de marijuana e, posteriormente, coca. Pelo fato de as Farc-EP serem um movimento do, com e para o povo, seria hipócrita por parte da guerrilha exigir dos camponeses, pela força, que abandonassem uma plantação que lhes fornecia alguma forma de renda no ambiente político-econômico em que se encontravam. No entanto, pensar que isso faz das Farc-EP traficantes de drogas ou "narcoguerrilhas" é, no mínimo, absurdo e revelador de quão pouco aqueles que fazem tais afirmações conhecem ou compreendem da economia política rural da Colômbia.

O ex-conselheiro militar da presidência de Álvaro Uribe Vélez, Alfredo Rangel Suárez, afirmou que "é um erro tratar as Farc como um cartel de drogas porque isso ignora o fato de que o objetivo principal das Farc não é fazer dinheiro com o tráfico de drogas, mas tomar o poder". Pintar as Farc-EP como uma guerrilha associada ao tráfico tem sido uma tentativa estratégica de desmoralizar a práxis das Farc-EP, deslegitimar as intenções sociopolíticas e econômicas da organização e, finalmente, evitar uma solução negociada para a guerra civil. Já foi amplamente comprovado que não existe nenhuma prova para sustentar a afirmação de que as Farc-EP estejam diretamente envolvidas com a indústria da coca. Até mesmo representantes dos governos da Colômbia e dos EUA já insistiram nessa posição. Por anos, oficiais do exército estadunidense, da Drug Enforcement Agency (DEA) e de sua embaixada na Colômbia já afirmaram que o estado nunca obteve nenhuma evidência de que as Farc-EP estivessem envolvidas no transporte, distribuição ou comércio de drogas ilícitas na América do Norte ou na Europa. Além do mais, o ex-presidente colombiano [1998-2002] e ex-embaixador nos EUA [2005-2006] Andrés Pastrana Arango também manteve a mesma posição de que as Farc-EP não estavam de maneira alguma ligadas ao tráfico de drogas. Pastrana revelou que o estado colombiano não conseguiu encontrar "nenhuma evidência de que eles estão diretamente envolvidos com o tráfico de drogas". E indo um pouco além da questão do envolvimento com as drogas, há também a (silenciada) questão do trabalho feito pela guerrilha em limitar a indústria da coca para que não se espalhasse completamente pelos setores rurais do país. Após a recusa das Farc-EP em dar apoio ao cultivo de coca durante os anos 1970 e início dos anos 1980, a insurgência mudou sua posição no final dos anos 1980 e durante os anos 1990.

Permanecendo em oposição à coca, as Farc-EP começaram a trabalhar com a ONU durante os anos 1980 em inúmeros projetos relacionados à substituição de plantio em regiões sob controle da insurgência. Trabalhando independentemente do governo, a ONU adotou as Farc-EP como parceira em programas relacionados ao desenvolvimento social e à substituição de plantações. As Farc-EP nunca promoveram a produção de coca. A insurgência tem por muito tempo encorajado e auxiliado projetos de substituição de plantios em diversos municípios. Durante os anos 1990 e 2000 as Farc-EP apoiaram com sucesso uma mudança de plantações de coca para outros tipos de plantações lícitas na gestão de Micoahumado no município de Morales. As Farc-EP foram, de fato, a primeira organização na Colômbia a incentivar a substituição de plantio - muito tempo antes do problema da coca ficar fora de controle. Hoje, as Farc-EP permanecem engajadas em projetos autônomos para encorajar os camponeses a cultivar plantações de subsistência.

As Farc-EP estão diminuindo e perdendo apoio popular? Elas impõem recrutamento forçado?

Como tem sido admitido recentemente pelo governo Santos, as Farc-EP não só têm apresentado uma inacreditável habilidade para manter seu poder e presença por todo o país, como isso é revelador do apoio que tem a guerrilha. No entanto, é essencial que aqueles no poder apresentem uma hegemonia que pinta as Farc-EP como fracas ou sem apoio civil. Mas quando alguém examina por toda a história as lutas contra o poder dominante, fica claro que qualquer movimento de guerrilha não pode ser conduzido ou manter operações contra forças do estado sem um significativo apoio social e político. Enquanto algumas frentes das Farc-EP têm sofrido alguns golpes nos últimos anos, a insurgência tem sido capaz de não apenas estabilizar campanhas contra alvos escolhidos, mas também tem aumentado suas atividades ano após ano. Por muitos anos, as Farc-EP vêm modestamente ampliando suas campanhas armadas contra as forças do estado (949 em 2004, 1.008 em 2005, 1.026 em 2006, 1.057 em 2007). Mas os últimos anos, no entanto, presenciaram um salto significativo no número de ataques militares da insurgência, em uma média de cinco ao dia (1.614). Ainda 2010 testemunhou o maior número de ataques da guerrilha contra as forças do estado em 15 anos, totalizando mais de 1.947, e mais mortes das forças do estado do que no auge do conflito, no início dos anos 2000. Permanece o fato de que as Farc-EP são o mais longo movimento de guerrilha estabelecido nas Américas e desde o início se desenvolveu num movimento complexo e organizado com 65% de seus membros vindos do campo ou de municípios rurais - dos quais quase 13% são de origem indígena - e os outros 35% de setores urbanos. Isso está muito longe de um movimento que não tem apoio do povo.

Quanto à questão do "recrutamento forçado", a resposta é bem simples: fazer as pessoas lutarem por um movimento de autodeterminação e libertação através da força ou de ameaças resultaria apenas num desperdício de recursos e simplesmente geraria um plantel incapaz de dar resposta às forças do estado, pois estariam ali não para vencer, mas apenas para sobreviver. Ao se examinarem os dados acima, reconhece-se facilmente que, com uma média de seis ataques diários bem-sucedidos contra as forças do estado é possível ver além do que diz a propaganda da mídia dominante.

Qual foi o real objetivo dos EUA com o Plano Colômbia? Como ele afetou as Farc-EP?

A partir da metade dos anos 1990, as Farc-EP demonstraram um crescimento político militar que colocou os militares na defensiva. A partir disso, Washington procurou reforçar as medidas antiguerrilha da Colômbia esperando com isso diminuir a autoridade das Farc. Os EUA não podiam permitir, política ou economicamente, que um movimento de insurgência marxista-leninista chegasse ao poder em nível hemisférico ou geopolítico. Os EUA estavam bem atentos ao crescimento das Farc-EP e sua crescente ameaça aos interesses político-econômicos tanto domésticos quanto internacionais desde antes de 1997-1998. Evidências demonstram que Washington se envolveu com treinamentos às forças colombianas de contrainsurgência e posicionou tropas estadunidenses em regiões específicas do país desde o início dos anos 1990. Em 1990, por exemplo, o posto da CIA na Colômbia era o maior de seu tipo no mundo, e no fim dos anos 1990, os EUA e o estado colombiano já tinham estabelecido a maior campanha de contrainsurgência na história da América Latina, o Plano Colômbia. Para abrandar a oposição em relação ao crescente financiamento da contrainsurgência na Colômbia, o governo Clinton [1993-2001] camuflou o tópico da intervenção militar direta dos EUA sob a retórica de combate ao narcotráfico do Plano Colômbia. Inúmeros analistas já afirmaram que as Farc-EP não serão e não podem ser derrotadas. Alguns deles, como Marc Chernick, notaram que "apesar do constante aumento da capacidade militar do estado, ele ainda não é capaz de derrotar as guerrilhas hoje ou num futuro próximo... sua estrutura organizacional [da guerrilha], sua base de recrutamento e sua habilidade de travar guerra de guerrilhas por todo o território nacional permanecem inalteradas." Especialistas, desde o ex-embaixador dos EUA em El Salvador, Robert White, até o historiador colombiano Herbert Braun, expressaram que Bogotá ou Washington não podem, de nenhuma maneira, derrotar as Farc-EP. Perto de seu final, o Plano Colômbia, com mais de 7,7 bilhões de dólares colocados na estratégia de contrainsurgência, não apenas falhou em derrotar as Farc-EP como testemunhou algumas das campanhas mais ferozes da guerrilha na década.

Glauber Ataide e Leonardo Péricles, Belo Horizonte

Fonte: A Verdade

Saudações das FARC-EP ao XIV Congresso do Partido Comunista da Venezuela

Saudações das FARC-EP ao XIV Congresso do Partido Comunista da Venezuela


Camaradas do PCV e Companheiros Delegados.
Caracas.

Desde as montanhas da Colômbia, com muito afeto, o saúdo comunista dos Guerrilheiros das FARC-EP ao XIV Congresso do PCV, o abraço fraterno às delegações dos Partidos Comunistas e organizações revolucionárias do mundo.

Permitam que expressemos neste magno evento nossa eterna gratidão ao Partido Comunistas da Venezuela pela sua solidariedade na dura luta das FARC-EP pela Nova Colômbia, a Pátria Grande e o Socialismo. A solidariedade do PCV é luminosa e exemplar. Sempre está ai, oferecendo seu apoio moral, todo o tempo, em tormenta ou em calma. Elas nos diz que o internacionalismo solidário, como qualidade e princípio, jamais deve desaparecer da praxes revolucionária. A soma dos ensejos e dos aportes materiais, aproximam a vitória da justiça e a humanidade.

Camaradas: a atual crise estrutural do capitalismo reclama com urgência a unidade dos povos, para a luta que já se configura no horizonte. A batalha é tanto inadiável quanto decisiva, e está chamada a derrotar todos séculos de injustiça dos modos de produção. O capitalismo tem-se envelhecido e debilitado. A conjuntura é propícia para hastear a bandeira do comunismo: A nova era da humanidade, a do fim do fim da exploração do homem pelo homem, das classes e do Estado, a era da justiça e a democracia plena. Que esse encontro de revolucionários em Caracas, berço do Libertador Simón Bolívar, serva para dar os primeiros passos concretos rumo à construção da alternativa anticapitalista, de humanidade, reclamada pelos rebeldes do mundo.

Desde o baluarte de sua soberania política, o PCV tem sido e continua sendo força fundamental na defesa do processo bolivariano. Esse processo enfrenta forças reacionárias muito poderosas encabeçadas pelo governo dos Estados Unidos. Compartilhamos a percepção do PCV de que é um dever de todo revolucionário, lutar para que a revolução bolivariana se consolide como esperança dos povos de Nossa América. Qualquer revés dos revolucionários na Venezuela deve ser assumido como um revés estratégico para a revolução continental. O pensamento bolivariano constitui hoje um poderoso arsenal político na luta, que se pressagia dura, em defesa da Pátria e a revolução.

Viva o Partido Comunista da Venezuela!

“Unidade, unidade, unidade, deve ser nossa divisa.”

Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, FARC-EP
Comissão Internacional
Montanhas da Colômbia, agosto 4 de 2011

Fonte: ANNCOL

Venezuelanos marcham por controle operário

No último dia 26 mais de 2.000 trabalhadores marcharam rumo à Assembléia Nacional, em Caracas, pelo aumento do controle operário. Entregando um documento com mais de 45 mil assinaturas, os trabalhadores exigiram que o legislativo aprove a Lei Especial para os Conselhos Socialistas de Trabalhadores e iniciem uma discussão imediata por uma "nova e revolucionária" Lei Orgânica do Trabalho (LOT). Ambas as demandas foram enviadas sob o artigo 240 da constituição venezuelana, a qual permite ao povo o direito de legislar.

"Estes são dois instrumentos legais que os trabalhadores estão exigindo. São essenciais para o avanço do processo de acumulação de forças que permitirá aos trabalhadores realizar seu papel de protagonista na construção de uma nova sociedade", disse Douglas Gomez, do Partido Comunista Venezuelano (PCV).

Convocado pelo Movimento pelo Controle dos Trabalhadores, pelos Conselhos Socialistas de Trabalhadores, pela União Nacional dos Trabalhadores (UNETE), pela Corrente Classista de Trabalhadores e centenas de sindicatos por todo o país, a marcha foi celebrada como um sucesso tanto pelos trabalhadores quanto pelos organizadores.

"Queremos que os trabalhadores sejam a força dirigente por trás do controle da produção nas fábricas, de forma que os produtos não sejam vendidos por preços especulativos nas ruas, e isso será alcançado através do controle operário e do contrato coletivo", disse Felix Martinez, Secretário-Geral do MMC (Novas Gerações dos Trabalhadores da Mitsubishi Motors) em Anzoátegui.

Fernando Soto Rojas, presidente da Assembléia Nacional, prometeu uma rápida resposta às exigências dos trabalhadores, a qual incluirá a divulgação de uma agenda para o debate público sobre as leis antes do recesso parlamentar no dia 15 de agosto.

Conselhos Socialistas de Trabalhadores

A Lei Especial de Conselhos Socialistas de Trabalhadores foi originalmente apresentada à Assembléia Nacional em 2007 pelo Partido Comunista Venezuelano e apoiado pelo presidente Chávez. O presidente pediu aos trabalhadores para se organizarem como uma "força revolucionária" dentro dos locais de trabalho, assim como nas comunidades.

Apesar dos conselhos socialistas de trabalhadores terem sido criados, eles só se tornaram legalmente reconhecidos depois de grandes mobilizações dos trabalhadores e da aprovação da Lei Orgânica do Poder Popular, em dezembro de 2010.

Independente de sindicatos, os conselhos são organizações populares de poder que permitem aos trabalhadores participar nos processos produtivos, administrativos e gerenciais em seus locais de trabalho. Através da Lei Especial dos Conselhos Socialistas de Trabalhadores, os conselhos se tornarão um mecanismo legal através dos quais os trabalhadores poderão desempenhar um "papel protagonista" no desmantelamento das relações capitalistas de exploração e avançar no projeto de controle operário.

A legislação também propõe consolidar os conselhos de uma perspectiva legal para fortalecer sua posição contra esforços contra-revolucionários que visam minar o movimento.

Reuniões regionais dos conselhos socialistas de trabalhadores aconteceram em fevereiro deste ano, e o primeiro encontro anual dos conselhos foi convocado em maio.

Uma lei trabalhista revolucionária

Os manifestantes também exigiram discussão imediata de uma nova e revolucionária lei trabalhista para substituir a existente. Propostas para rever completamente a Lei Orgânica foram inicialmente colocadas em 2003, mas as discussões não aconteceram na Assembléia Nacional Venezuelana.

De acordo com o porta-voz do movimento de trabalhadores, a nova legislação tem que garantir emprego e direitos coletivos e individuais para os trabalhadores. Deve também estabelecer uma estrutura legal para gerenciamento democrático, participativo e coletivo dos trabalhadores.

"Os trabalhadores são o motor da mudança histórica e da transformação social, e por essa razão, uma nova e revolucionária lei que esteja de acordo com a constituição da República Bolivariana da Venezuela é necessária", explicou Rosso Grimau, porta-voz dos Conselhos Socialistas de Trabalhadores.

Os trabalhadores juraram se manter em estado de "mobilização permanente" para vencer a oposição, e uma delegação será enviada para a Assembléia Nacional no dia 9 de agosto para assegurar que o Comitê Nacional Eleitoral recebeu as exigências, assim como para obter detalhes da agenda de debates públicos sobre as duas leis.


Por Rachael Boothroy
Tradução de Glauber Ataide


A família de Orlando Zapata Tamayo, a ponto de viver na indigência em Miami

Desde que voltou de Washington, Reyna Luisa se trancou em casa e recusa a falar com a imprensa e a comentar sobre as declarações de seu filho (vídeo abaixo).

Alguns exilados, que se sentem envergonhados pela situação, fizeram chamados à comunidade para que ajude a família e lhes arrumem emprego, mas não tiveram uma resposta concreta.

Em suas emissoras de rádios locais, termômetro comum do pensamento exilado, as críticas também são imensas, ainda que divididas.

Há ouvintes que pedem que se ajude à família e conclamam os homens de negócios da cidade a lhes oferecer emprego.

Mas há outros que acreditam que a família deveria se esforçar mais para conseguir empregos e os acusam de "ingratos" pelas ajudas recebidas.

O caso dos Zapata Tamayo traz à memória um outro ocorrido nos anos 1990, quando chegou a Miami a opositora cubana Paula Valiente, a primeira negra conhecida por pregar contra o governo cubano nas igrejas da ilha.

Valiente esteve nos holofotes por alguns meses, mas depois deixou de aparecer nas rádios e emissoras locais, e passou a criticar os exilados por deixarem de ajudá-la. Há rumores de que voltou a Cuba, mas não se sabe quando.



"Luta armada foi correta"

Último comandante militar da ALN defende execução de Hennig Boilesen, exorciza pecados dos dominicanos, não se arrepende de justiçamento de Marcio Leite Toledo, conta que Goiás fazia parte do mapa da guerrilha e avalia que existia possibilidade de derrota dos militares

Nome: Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, de 60 anos. Codinome: Clemente. Último comandante militar da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização guerrilheira de tendência comunista que empreendeu luta contra a ditadura militar no Brasil, ele afirma que Goiás fazia parte do mapa da revolução brasileira nos anos 60 e 70. A estratégia era deflagrar a guerrilha rural. Com inspiração em Régis Debray, o francês capturado nas selvas da Bolívia ao lado de Che Guevara, em 1967. Clemente retira o peso das costas dos dominicanos pela queda de Carlos Marighella, morto em 4 de novembro de 1969, em São Paulo (SP). Companheiro de armas, o ex-guerrilheiro relata os últimos momentos do goiano Paulo de Tarso Celestino, supostamente morto na Casa de Petrópolis. Mais: explica que não se arrepende do justiçamento de Marcio Leite Toledo, defende a execução de Henning Boilesen e confidencia que mais nomes ligados à repressão integravam a lista de executáveis da organização. Para Clemente, a possibilidade de derrota armada dos militares que deram o golpe de Estado de 1964 no Brasil não era um delírio à esquerda dos jovens da esquerda revolucionária: "a luta armada foi correta e havia possibilidade de vitória".

100 anos do nascimento de Carlos Marighella: ele foi herói ou vilão?

Herói do povo brasileiro. Como por aqui demoramos a reconhecer nossos heróis, Marighella ainda não aparece nos livros de História do Brasil com essa estatura. Zumbi demorou quantos séculos para ser reconhecido? Até quando pensamos, porque fomos ensinados, que a independência do Brasil tinha sido alcançada pelas mãos de Pedro I e não conquistada pelas lutas de nosso povo? Esta é uma de nossas lutas hoje, atualizar nosso ensino. Precisamos ensinar às nossas crianças que houve um golpe de Estado em 1964 e os generais foram ditadores. Quem, como Carlos Marighella, reagiu de armas na mão, lutou pela democracia. Foram resistentes da liberdade.

A queda de Carlos Marighella pode ser debitada única e exclusivamente na conta dos dominicanos, como aponta Jacob Gorender?

As quedas de Marighella e de grande parte do GTA (Grupo Tático Armado) de São Paulo começaram quando nos desviamos de nossa linha inicial, que era de preparar e lançar a guerrilha rural, criando condições para uma luta de longo prazo, e passamos a acreditar que teríamos como desestabilizar o regime com ações armadas de grande repercussão nas cidades. Demos um papel à propaganda armada imediata que ela não tinha antes. Pensamos que estávamos mais fortes do que era verdade, e a ditadura também. A repressão veio com toda violência, milhões foram gastos para nos destruir, arrancaram informações de nossa estrutura através da tortura, e chegaram a Marighella. Isso não tira a responsabilidade histórica dos dois dominicanos que abriram (entregaram) o ponto (encontro) com nosso líder e chegaram a dar a senha por telefone. O Estado ditatorial cometeu o crime de torturar dois brasileiros e forçá-los a trair a confiança de Carlos Marighella e de seus companheiros de armas.

Quem matou Joaquim Câmara Ferreira?

José da Silva Tavares, militante da ALN, entregou o Velho (Joaquim Câmara Ferreira) ao delegado Sérgio Paranhos Fleury. O famigerado e sua equipe prenderam nosso líder, torturaram e assassinaram na madrugada de 23 para 24 de outubro de 1970.

A adoção da estratégia de luta armada não teria sido equivocada?

Não. Em primeiro lugar havia uma necessidade de responder a violência da direita que rasgou a Constituição de 1946 e deu o golpe de Estado. Uma nação soberana e justa se constrói também através das lutas de seu povo. Quando uma parte da sociedade apela para a violência, é bom que aqueles que defendem a democracia e a liberdade respondam com as mesmas armas. Isso vai construindo uma consciência a longo prazo, mesmo se essa luta não conseguir todos os seus objetivos.

Existia a possibilidade de vitória da guerrilha contra a ditadura civil e militar?

Havia, e por isso a reação da direita e do imperialismo norte-americano foi tão violenta e investiram tanto dinheiro no aparelhamento e treinamento de suas forças repressivas.

Onde estariam enterrados os restos mortais de Paulo de Tarso Celestino e Heleni Guariba?

Paulo e Heleni foram traídos pelo Cabo Anselmo e não temos nenhuma informação sobre seus restos mortais, como não sabemos os detalhes de seu desaparecimento. São as informações que queremos quando defendemos a Comissão Nacional da Verdade. O país precisa saber o que aconteceu com os companheiros desaparecidos e suas famílias precisam dos restos mortais para homenagear seus entes queridos. Paulo de Tarso foi um dos companheiros mais próximos. Conheci-o quando voltou de Cuba e nossa ligação foi imediata. Compartilhamos nossas experiências e participamos da Coordenação Nacional montada por Joaquim Câmara Ferreira em 1970. Estivemos juntos na véspera de sua queda. Foi uma das perdas irrecuperáveis da ALN.

Não teria sido um erro o justiçamento de Marcio Leite Toledo?

Uma guerra pressupõe medidas duras e às vezes irreversíveis. A organização vinha sendo atingida duramente e tomamos medidas de defesa. Preferia que não tivéssemos precisado chegar a esse ponto, mas tenho certeza que os danos seriam maiores se houvéssemos hesitado. No nível pessoal, foi uma ação que deixou marcas profundas que não devem ser confundidas com arrependimento. São marcas de guerra que os combatentes carregam pelo resto de suas vidas.

A execução de Henning Boilesen foi uma ação correta?

O justiçamento de Boilesen foi justo, correto e necessário.

A ALN tinha planos de executar mais alguém?

Sim. Alguns estavam no mesmo esquema de Boilesen, o financiamento do sistema repressivo.

Qual proposta concreta lhe fez o cubano Arnaldo Ochoa?

Voltar ao Brasil partindo de Cuba com 100 combatentes cubanos comandados por mim e por ele. Entraríamos em território nacional pelo Rio Amazonas e nos instalaríamos no Centro-Norte do país. Recusei por várias razões: era o ano de 1973 e a ALN já estava quase dizimada; havíamos perdido a maioria dos contatos no campo; restavam poucos combatentes experientes. Porém a mais importante das razões era sermos uma organização de libertação nacional. Isso era um princípio e não negociamos princípios.

Existia alguma possibilidade de viabilidade dessa proposta?

Dela se concretizar, sim. Estivemos, eu e Ochoa, várias vezes no comando do Exército de Havana e ele me mostrou todo o esquema. Desde a organização até o desembarque em terra brasileira.

Goiás fazia parte do mapa da revolução da ALN? Por quê?

A guerrilha rural seria lançada em algum lugar entre o noroeste de Goiás, do Pará, do Maranhão e uma parte do Amazonas. Eram áreas boas para a guerra de guerrilha do ponto de vista geográfico, vegetação, e também devido aos conflitos agrários que nos fortaleceriam e forjariam quadros.

O sr. tem projeto de novo livro? Qual tema?

Tenho meu terceiro livro na gaveta e vou lançá-lo no ano que vem. Conta meu exílio em Paris, minha volta ao Brasil, e ainda histórias da luta armada.

Há projeto de lançamento de CD?

Tenho o projeto de juntar meus alunos de música e gravar um CD com composições minhas. Depois de lançar o livro e terminar dois projetos de cinema, me ocupo disso.

Documentário ou filme?

A Isa Albuquerque, realizadora do Rio de Janeiro, está filmando o documentário "Codinome Clemente" e um longa de ficção com histórias do "Viagem à Luta Armada" e de meu terceiro livro.

O que o sr. está lendo?

"La Supplication — Tchernobyl, Cronique du Monde Après l'Apocalypse" (1997), da bielorrussa Svetlana Alexievitch, que conta o que se passou depois da explosão da usina atômica soviética. Esse livro ainda é proibido na Bielorrussia, pois não esconde o terror daqueles momentos.

Fundação Lauro Campos - [Renato Dias]
Publicado originalmente no Jornal Opção