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Khrushchev mentiu sobre Stálin, afirma historiador

O dia 25 de fevereiro de 1956 é, sem dúvida alguma, um dos mais importantes da história do século 20, porque reflete uma mudança radical na política da União Soviética - que era, então, uma das duas superpotências do mundo. Nesse fatídico dia, o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Nikita Sergeevich Khrushchev, proferiu seu famoso "Discurso Secreto" sobre o suposto culto à personalidade e suas consequências, em uma sessão fechada do 20º Congresso do PCUS. O conteúdo exposto visava minar a imagem de Josef Stálin, principal dirigente internacional comunista por mais de três décadas, secretário-geral do PCUS até sua morte, em 1953, e apresentá-lo como um monstro sanguinário e tirânico. Para tanto, foi relatada uma série de acusações, vilanias que Stálin teria cometido contra a "legalidade socialista".

O discurso de Khrushchev teve um efeito devastador no movimento comunista internacional, desintegrando a unidade que fora conseguida com enorme esforço ao longo de décadas de luta. Muitos militantes se revoltaram contra o legado revolucionário de Stálin, que, há poucos anos, era símbolo de esperança por um novo mundo, e aderiram às posições khrushchevistas. Outros se mantiveram fiéis e passaram a criticar a nova liderança soviética, e houve também aqueles que simplesmente abandonaram suas lutas e perderam a esperança. E, não só isso, o discurso deu munição para a propaganda ocidental anticomunista, tornando-se um dos pilares do paradigma totalitário que até hoje domina a produção acadêmica de História acerca da União Soviética.

Muito já se escreveu sobre este acontecimento e vários pesquisadores chegaram à conclusão de que alguns dos pontos levantados por Khrushchev eram falsos, como, por exemplo, a esdrúxula afirmação de que Stálin conduzia as operações militares da Grande Guerra Patriótica (como os russos chamavam a Segunda Guerra Mundial), utilizando um simples globo terrestre. No entanto, ninguém havia analisado profundamente o "Discurso Secreto" com o intuito de verificar todas as outras afirmações presentes nele, até o historiador americano Grover Furr encarar tal tarefa (veja em www.averdade.org.br entrevista com o professor Grover Furr).

O resultado foi um primoroso trabalho de investigação histórica, lançado em inglês sob o nome "Khrushchev lied", que em português significa "Khrushchev mentiu". O professor Furr chegou à conclusão de que todas as afirmações do líder soviético eram falsas. Apresentou, para tanto, as devidas fontes documentais para cada uma das afirmações, com metade do livro dedicada a transcrições de documentos ou outras fontes utilizadas, além dos vários links para páginas na internet com documentação hospedada.

O julgamento de Zinoviev e Kamenev

Não é possível abordar neste pequeno artigo cada um dos vários tópicos investigados por Furr, porém, apenas para dar uma ideia do impacto desta obra, apresentarei um ponto que julguei interessante, relacionado ao famoso julgamento de Zinoviev e Kamenev, em 1936.

Este julgamento é largamente apresentado como uma farsa planejada por Stálin para eliminar seus opositores políticos, assim como os outros dois juízos que compõem os chamados Processos de Moscou. No entanto, Furr transcreve um trecho de uma carta privada de Stálin para Kaganovich, que claramente demonstra um Stálin muito diferente. Ele não aparece como um forjador, como a mente por trás dos resultados das investigações policiais, mas sim como alguém que tenta compreender o que está ocorrendo através do material investigativo enviado a ele. Seria Stálin tão hipócrita a ponto de enviar uma carta a um camarada do Politburo (a direção do PCUS), fingindo que não sabia o que estava ocorrendo? Ou ele simplesmente não mandara fuzilar seus opositores? E é aí que reside um dos pontos fortes da obra: a riqueza documental à disposição do leitor nos faz pensar e repensar cada frase do autor, cada acontecimento relatado, sempre trazendo à tona dúvidas que nos fazem avançar rapidamente na leitura em busca de respostas.

À parte tal riqueza de fontes na contra-argumentação ao "Discurso Secreto" de Khrushchev, a obra de Furr contém uma seção que apresenta sua interpretação histórica do processo político soviético. Baseado em sua extensa pesquisa e na do historiador russo Iúri Zhukov, Furr argumenta que o 20º Congresso do PCUS foi reflexo da própria dinâmica interna do socialismo soviético, do conflito entre os primeiros-secretários regionais do Partido e o Politburo, encabeçado por Stálin. O próprio Khrushchev foi, durante muito tempo, primeiro-secretário do Partido em Kiev (capital da Ucrânia, uma das principais repúblicas soviéticas) e também de Moscou, capital da URSS.

Este conflito tem raízes na própria estrutura de poder da União Soviética, que dava brechas para a acumulação de poder e de privilégios por parte dos primeiros-secretários. Stálin percebeu este problema e, além de criticar duramente os burocratas carreiristas, tentou minar o poder deles. Sua principal arma foi a Constituição de 1936 e o novo Código Eleitoral, criado pelo próprio Stálin em conjunto com Iakovlev. De acordo com Furr e Zhukov, este novo código eleitoral - que previa eleições secretas, diretas e competitivas - batia de frente com as pretensões dos primeiros-secretários do Partido que, até então, mantinham-se em seus cargos por indicação.

Este quadro pintado pelo historiador Grover Furr nos permite compreender melhor o conteúdo do "Discurso Secreto" de Khrushchev, que se converte de uma denúncia dos crimes de um tirano sanguinário em um poderoso golpe político.

O 20º Congresso do PCUS surge então não como uma autocrítica da liderança soviética, mas como o símbolo da consolidação do poder de uma elite privilegiada do Partido, que nada queria com o socialismo. E para conseguir desarticular os que ainda afirmavam a linha revolucionária do Partido, nada mais sábio do que destruir a imagem de seu mais respeitado líder, Josef Stálin.

(Paulo Gabriel é estudante de História da UnB)

Fonte: A Verdade

Novo livro desfaz mitos sobre as FARC-EP

Lançado em fevereiro de 2010, o livro Revolutionary social change in Colombia – The origin and direction of the FARC-EP (Pluto Press, EUA, 2010), do sociólogo canadense e professor da Acadia University, James J. Brittain, é considerado um marco no estudo das FARC-EP.


Baseado em extensa bibliografia, pesquisa de campo realizada por anos em meio às FARC-EP e em entrevistas de camponeses e moradores das regiões sob controle da guerrilha, a obra é apontada como referência básica no assunto para os próximos anos.

Ainda sem previsão de lançamento para o português, o prefácio da obra, de autoria de James Petras, foi traduzido com exclusividade para o Jornal A Verdade. Fornecendo uma visão geral da obra e desfazendo alguns mitos sobre as FARC-EP, este prefácio revela ainda um pouco da história da guerrilha e de sua atual situação.

Prefácio de "Revolutionary social change in Colombia - The origin and direction of the FARC-EP"

James Petras

A prática política da demonização, na qual políticos, jornalistas, autoridades midiáticas e acadêmicos atribuem rótulos depreciativos e comportamentos abomináveis a regimes políticos, líderes e movimentos, baseados em alegações inconsistentes, tem se tornado prática comum. O que é pior, demonizar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP) se espalhou de cima para baixo, da direita para a centro-esquerda, da grande mídia para os sites progressistas.

Em anos recentes, nenhum outro movimento sócio-político de massas na América Latina tem sido mais demonizado que as FARC-EP. Talvez esta seja a recompensa do vício à virtude - pois as FARC-EP, como Brittain documenta largamente em seu livro, é o maior, mais duradouro e mais efetivo movimento de insurgência popular no último quarto de século. Em contraste com as críticas raivosas, altamente caricaturais, pobremente informativas e ideologicamente direcionadas emanando da grande mídia, Brittain apresenta uma detalhada pesquisa histórica baseada em fatos empíricos sobre as origens das FARC-EP, sua trajetória organizacional e politica, assim como um rigoroso relato da matriz socioeconômica da qual ela cresce e prospera. Brittain escreveu o estudo definitivo das FARC, o qual será uma referência básica nos anos que estão por vir.

As acusações mais recorrentes e mais sérias vem de Washington e do atual presidente da Colômbia, que denunciou as FARC-EP como organização "criminal terrorista" e "narco-terrorista". Washington colocou as FARC-EP em sua lista de "organizações terroristas", uma política que foi subsequentemente seguida pela União Européia - mas não pela maioria dos governos latino-americanos.

O estudo histórico de Brittain desafia essas afirmações demonstrando que as FARC se originaram no início dos anos 1960 como um movimento camponês de rebelião, que expandiu seu apoio territorial e social pelos 40 anos seguintes - particularmente no interior do país - defendendo os interesses dos camponeses das pilhagens dos esquadrões da morte e da repressão militar financiadas pelos senhores de terras.

A propagação do rótulo de "terrorista" aconteceu depois de 11 de setembro de 2001, como parte da ofensiva global militar-ideológica do presidente Bush, apelidada de "Guerra ao terrorismo". A base ilusória dessa campanha é evidente no período anterior (1999-2001) quando as FARC-EP foram reconhecidas por todos os grandes países da Europa e da América Latina como uma força beligerante, um interlocutor legítimo nas negociações de paz. Durante este período as FARC-EP foram convidadas à França, Espanha, Escandinávia, Países Baixos, México e vários outros países para discutir o processo de paz. Durante o mesmo período os maiores líderes do governo estadunidense e homens de negócios, junto com dezenas de sindicalistas e políticos engajados no assunto alocaram as FARC-EP em uma zona desmilitarizada na Colômbia, onde as Nações Unidas mediavam negociações de paz entre as FARC e o presidente Pastrana. Enquanto Washington se opunha a todo o processo de paz e o presidente Bill Clinton fazia aprovar um pacote multi-bilionário (Plano Colômbia), os EUA não foram capazes de impedir o processo, ou de imputar o rótulo de narco-terrorista às FARC-EP.

Foi apenas depois que Washington declarou guerra ao Iraque e ao Afeganistão, e a grande mídia dominada pelos EUA lançou uma massiva guerra relâmpago de propaganda rotulando todos os críticos e adversários do militarismo global estadunidense, que o rótulo de "terrorista" foi fixado sobre as FARC-EP. Sob intensa pressão da elite midiática e sob o escrutínio do aparato de segurança dos EUA, muitos intelectuais e escritores outrora progressistas submeteram-se e se juntaram ao coro dos que rotulavam as FARC-EP de "terrorista". O que é surpreendente nas opiniões precipitadas que caluniam as FARC é a absoluta e total ignorância de qualquer faceta de sua história, prática social, apoio político e seus esforços fracassados de assegurar um estabelecimento político. Entre 1984 e 1988, as FARC concordaram em cessar fogo com o regime de Betancur e muitos de seus militantes optaram pela política eleitoral formando um partido político de massas, a União Patriótica. Antes, durante e depois de obter substanciais vitórias nas eleições locais, estaduais e nacionais, os esquadrões da morte assassinaram três dos candidatos presidenciais da União Patriótica. Mais de 5000 ativistas eleitorais foram mortos. As FARC-EP foram forçadas a retornar à oposição armada por causa do terrorismo de massa patrocinado pelos regimes dos EUA e da Colômbia. Entre 1985 e 2008, dezenas de milhares de líderes camponeses, sindicalistas, ativistas de direitos humanos e líderes comunitários, assim como jornalistas, advogados e congressistas foram mortos, presos ou exilados.

Como Brittain demonstra, a campanha do regime apoiado pelos EUA de terror rural e desapropriação de 3 milhões de camponeses é a principal força responsável pelo crescimento das FARC-EP, e não o "recrutamento forçado" e o "narco-tráfico".

Este livro é baseado em extensas entrevistas de apoiadores das FARC, líderes e camponeses locais cobrindo vários anos, e fornece um relato preciso da relação entre a produção de coca, o comércio de drogas, lavagem de dinheiro, o exército, o sistema político e as FARC. O que suas descobertas revelam é que 95% dos ganhos da cadeia narcótica provem dos partidos políticos, dos oficiais do exército e dos membros do congresso colombiano, todos esses apoiados pelos EUA, além dos bancos estadunidenses e europeus. As FARC cobram uma taxa de tranporte e de carregamento dos compradores da folha de coca em troca de passagem segura pelos territórios controlados por ela.

O livro de Brittain coloca uma questão fundamental para todos os escritores e praticantes da democracia: como alguém pode buscar políticas sociais equitativas e a defesa dos direitos humanos sob um estado terrorista alinhado com esquadrões da morte e financiado e aconselhado por um poder estrangeiro, o qual tem uma política pública de eliminar fisicamente seus adversários? Mesmo atuando como sindicatos legalizados, movimentos camponeses e indígenas e oposição política, eles sofrem altas taxas de atrito; não se passa uma semana sem que sejam relatados assassinatos, desaparecimentos e vôos forçados para o exterior. Corajosos juízes e promotores públicos recebem diariamente ameaças de morte e tem segurança pessoal 24 horas; alguns raramente dormem em suas próprias casas. A política parlamentar, sob ameaças amplamente difundidas, não reforma e nem pode reformar o aparato terrorista, menos ainda fazer justiça aos 4 milhões de camponses deslocados à força de suas comunidades. Sem recurso institucional e enfrentando uma injustiça de longo prazo e em larga escala, a tese de Brittain, de que as FARC-EP representam uma força legítima pela democracia política e pela mudança social é não apenas plausível, mas também altamente convincente.

Tradução de Glauber Ataide


"A revolução dos bichos", de George Orwell, rejeitada por T. S. Eliot

Matéria publicada pelo jornal The Telegraph revela que T. S. Eliot, considerado por alguns como o maior poeta de língua inglesa do século XX, recusou publicar o livro "A revolução dos bichos", de George Orwell, devido ao seu conteúdo "trotskista". Em cartas só agora disponibilizadas por sua viúva, ele teria afirmado que o argumento de Orwell (que tentava fazer uma caricatura do regime "stalinista") não era "convincente". A obra foi rejeitada por 4 editoras antes de ser publicada.

Segundo o jornal, uma das prováveis razões desta recusa é que naquele período, em 1944, a URSS estava derrotando os nazistas na II Guerra Mundial, e o prestígio dos soviéticos e de Stalin em todo o mundo era muito alto. O poeta afirma a Orwell em uma das cartas: "Não estamos convencidos de que este é o ponto de vista correto do qual criticar a situação política neste momento."

E completa: "Além do mais, os seus porcos são muito mais inteligentes que todos os outros animais, e portanto são os mais qualificados para governar a fazenda - na verdade não poderia haver uma fazenda sem eles: então o que era realmente necessário (alguém poderia argumentar) não seria mais comunismo, mas sim mais porcos como eles."

Um detalhe interessante que este episódio nos revela é a própria natureza do trotskismo: enquanto os soviéticos estavam salvando o mundo numa luta encarniçada contra o nazismo, eles estavam panfletando contra o governo da URSS, num esquerdismo infantil e irresponsável.

Matéria completa em: The Telegraph

Nota de falecimento: Ludo Martens

Morreu ontem, dia 05 de junho de 2011, Ludo Martens, autor do livro "Stalin - um novo olhar". Ele estava doente já havia um longo período.

Seu livro, escrito quando ainda havia poucas informações para refutar as mentiras sobre Stalin e a URSS, foi um importante instrumento ideológico do proletariado mundial na década de 1990. Uma valiosíssima contribuição, que perdura até hoje e perdurará por muitas outras décadas.

Há um memorial no site do Partido dos Trabalhadores da Bélgica, contando um pouco de sua trajetória.

CAMARADA LUDO MARTENS: PRESENTE!

AGORA! E SEMPRE!



A relação entre Lenin e Stalin

Trechos retirados da biografia de Lenin, de autoria do Instituto de Marxismo-Leninismo de Moscou, 1943, p. 181-183.

"Lenin demonstrava uma excepcional preocupação por Stalin. Em julho de 1921 ele recebeu notícias do Cáucaso do Norte dizendo que Stalin estava doente. Ele imediatamente enviou a seguinte nota para Orjonikidze: 'Primeiro: me informe do estado de saúde de Stalin e a opinião dos médicos sobre isso.'Alguns dias depois ele telegrafou novamente: 'Deixe-me saber o nome e o endereço do médico que está cuidando de Stalin e me diga quantos dias mais Stalin ficará afastado.'

"Muitas outras vezes ele telegrafou para Orjonikidze: 'Estou surpreso que você está tirando Stalin de seu repouso. Ele deve descansar pelo menos de 4 a 6 semanas.'

"Lenin também demonstrou preocupação pelas condições sob as quais Stalin vivia. Em uma nota ao Comandante do Kremlin ele informou a este último (em novembro de 1921) que o apartamento de Stalin era barulhento e que Stalin não podia dormir à noite (havia uma cozinha no apartamento ao lado da qual sons eram ouvidos desde bem cedo até tarde da noite). Ele então requisitou que Stalin fosse transferido para um apartamento mais calmo, que isso fosse feito imediatamente e que ele fosse informado quando estivesse pronto.

"Em uma nota a seu secretário escrita em dezembro de 1921, Lenin escreveu: 'Quando Stalin levantar (não o acorde) diga a ele que a partir das 11 da manhã eu estarei em uma reunião (no meu quarto) e que eu estou pedindo seus números de telefone (se ele tiver que sair) porque eu tenho algo para falar com ele ao telefone.'

[...]

"Depois do Congresso *, o Comitê Central, sob proposta de Lenin, elegeu Stalin - fiel discípulo de Lenin e seu mais próximo companheiro - como Secretário Geral do Comitê Central, e este posto Stalin ocupa sem interrupção desde então."


NOTAS

* Isso é, o 11º Congresso do Partido, o último do qual Lenin participou. Nota do tradutor.


Tradução realizada pelo blog "O Marxista-Leninista".

Meu encontro com Marx e Freud, de Erich Fromm

Meu objetivo inicial com este livro era aprofundar meus estudos na interseção entre marxismo e psicanálise, mas ele só nos permite fazê-lo superficialmente. Até aí, tudo bem, pois não é este mesmo o seu objetivo. Esta obra é uma biografia intelectual de seu autor, e não uma exposição do freudo-marxismo.

Mas o grande problema que encontrei aqui é que Erich Fromm comete o mesmo erro da maioria dos marxólogos acadêmicos, que despem o marxismo de seu caráter revolucionário para deixa-lo mais palatável para a burguesia.

Ele mesmo afirma, nesta obra, que não é engajado politicamente, ou seja, é apenas um "marxista acadêmico". E isso é uma contradição, pois não é possível ser marxista e não estar politicamente engajado. Lembremo-nos da 11ª tese sobre Feuerbach, em que Marx afirma que os filósofos até hoje se limitaram a interpretar o mundo, mas o que importa, porém, é transformá-lo. A vida do próprio Karl Marx foi de engajamento político revolucionário.

Assim, Fromm é seduzido pela cantilena burguesa de que Stalin foi um "assassino", e em diversos momentos o coloca no mesmo plano de Hitler, fazendo assim o jogo da burguesia que, derrotada e envergonhada pelo que fez na II Guerra Mundial, precisou inventar no campo da esquerda um monstro idêntico ao que eles realmente criaram e financiaram no campo da direita, Adolf Hitler.

Além disso, é muito bonito que "marxistas acadêmicos", como Fromm, digam como as coisas devem ser. Falam muito do "Homem", da "Liberdade", etc. Mas em momento algum eles dizem como isso deve ser alcançado.

Se apegam a uma imaginária "pureza da revolução", que o filósofo italiano Domenico Losurdo chama de "universalismo abstrato", e criticam toda tentativa de construção do socialismo na prática. Essa postura é sempre consequência ou de falta de engajamento político ou de oposição esquerdista que não tem nenhuma responsabilidade de construir algo, mas apenas de desconstruir. E a primeira delas, não ser politicamente engajado, é ainda uma das razões pelas quais tal pessoa não pode carregar o título de marxista, pois não consegue ver essas nuances da vida prática se está apenas confortavelmente sentado num banco da universidade. Este suposto "distanciamento do objeto" mais cega do que faz ver.

Mas para não deixar a impressão de que não há nada aproveitável neste livro, há vários pontos esclarecedores sobre o que há em comum entre Marx e Freud - cada capítulo do livro trata de um aspecto diferente.

Um dos mais interessantes é sobre a atitude cética tanto de Marx quanto de Freud sobre aquilo que pensamos que sabemos. Para Freud, muito do que se passa na vida psíquica do homem é inconsciente, e ele não sabe exatamente porque age da forma que age. Já para Marx, as pessoas também não sabem por que pensam como pensam, pois suas idéias são em grande parte reflexos das condições materiais concretas da sociedade em que vive.

Ou seja, ambos os pensadores trabalham com um conceito semelhante de "racionalização". Para Freud, a racionalização é uma tentativa de dar sentido a uma ação ou pensamento que vem do inconsciente. Na obra de Marx, essa racionalização recebe o nome de "ideologia", isso é, uma justificativa da organização social em que vive, do status quo. Mas enquanto Freud trabalha com o indivíduo, Marx trabalha com o social.

E como dica para os interessados no tema, um teórico que considero muito superior a Erich Fromm no freudo-marxismo é Wilhelm Reich, quando este ainda fazia parte do Partido Comunista da Alemanha. Sua obra deste período de militância política é muito mais profunda do que podemos encontrar neste livro de Fromm.


Domenico Losurdo: Stalin e o pensamento primitivo

Este texto é uma resposta de Losurdo a uma crítica trotskista de seu livro "Stalin - histórica crítica de uma lenda negra".

Jamais se poderá avaliar de modo satisfatório a sabedoria da frase atribuída a Georges Clemenceau: a guerra é uma coisa muito séria para que seja entregue aos generais!

Por Domenico Losurdo, na Grabois.org
Tradução: Lucilia Ruy

Na verdade, em seu ardente chauvinismo e anticomunismo, o primeiro-ministro francês mantinha uma consciência bastante lúcida em relação ao fato de os especialistas (neste caso, os especialistas da guerra) frequentemente serem capazes de ver as árvores, mas não a floresta, eles se deixam absorver pelos detalhes perdendo de vista o global; neste caso eles sabem tudo, menos o que é essencial.

À afirmação de Clemenceau se é rapidamente levado a pensar quando se lê a crítica intransigente que Jean-Jacques Marie queria destinar a meu livro sobre Stalin. Pelo que parece, o autor é um dos maiores especialistas sobre “trotskismo-logia” e se põe a demonstrá-lo em qualquer circunstância.

1- Stalin liquidado pelo Relatório secreto, o Relatório secreto liquidado pelos historiadores

Ele começa imediatamente a contestar minha afirmação segundo a qual Kruschev “se propõe derrotar Stalin em todos os aspectos”. Ainda assim, é o grande intelectual trotskista Isaac Deutscher que destaca que o Relatório secreto menciona Stalin como um “enorme, tenebroso, extravagante, degenerado monstro humano”. No entanto, esse retrato não é suficientemente monstruoso aos olhos de Marie! O meu livro assim continua: na arguição pronunciada por Kruschev, “por ser responsável por crimes horrendos, era um indivíduo desprezível, seja no plano moral, seja no plano intelectual”.

“Além de desumano, o ditador era também risível”. Basta pensar no pormenor sobre o qual se detém Kruschev: “é preciso ter presente que Stalin preparava os seus planos em cima de um mapamundi. Sim, companheiros, ele marcava a linha da frente de batalha sobre o mapamundi” (p. 27-29 da edição francesa). O quadro aqui traçado sobre Stalin é claramente caricatural: como fez para derrotar Hitler a URSS que era dirigida por um líder criminoso e imbecil ao mesmo tempo? E como chegou esse líder criminoso e imbecil ao mesmo tempo a reger pelo “mapamundi” uma batalha épica como aquela de Stalingrado, combatida de bairro a bairro, de rua a rua, de terreno a terreno, de porta a porta?

Ao invés de responder a essas contestações, Marie se preocupa em demonstrar que – enquanto maior especialista de “trotskismo-logia” – conhece de memória também o Relatório Kruschev e se põe a citá-lo por toda parte, em aspectos que não têm nada a ver com o problema em discussão!

Como demonstração do fato de essa total aniquilação de Stalin (no plano intelectual além do moral) não subsistir à investigação histórica, chamo a atenção para dois pontos: historiadores eminentes (de nenhum dos quais se pode suspeitar ser filo-stalinista) falam de Stalin como o “maior líder militar do século 20”. E vão ainda além: atribuem-lhe um “talento político excepcional” e o consideram um político “supercompetente” que salva a nação russa da dizimação e escravização a que é destinada pelo 3º Reich, graças não apenas à sua astuta estratégia militar, mas também aos “magistrais” discursos de guerra, por vezes verdadeiros e apropriados “atos de bravura” que, em momentos trágicos e decisivos, chegam a estimular a resistência nacional. E ainda não é tudo: historiadores ardorosamente antistalinistas reconhecem a “perspicácia” com que ele trata a questão nacional no escrito de 1913 e o “efeito positivo” de sua “contribuição” para a linguística (p. 409).

Em segundo lugar, faço notar que já em 1966 Deutscher demonstrava sérias dúvidas sobre a credibilidade do Relatório secreto: “não o considero a ponto de aceitar sem reservas as assim ditas ‘revelações de Kruschev’, particularmente sua afirmação de na 2ª Guerra Mundial (e na vitória sobre o 3º Reich) Stalin apenas ter desempenhado um papel praticamente insignificante” (p. 407). Hoje, à luz de novo material à disposição, não são poucos os estudiosos que acusam Kruschev de ter recorrido à mentira. E, portanto: se Kruschev realiza a aniquilação total de Stalin, a historiografia mais recente anula a credibilidade do assim dito Relatório secreto.

De que maneira Marie responde a tudo isso? Resume o ponto de vista não apenas o meu como também o dos autores citados por mim (inclusive o trotskista Deuscher) com o clichê: “Vade retro, Kruschev!”. Ou seja, o grande especialista de “trotskismo-logia” acredita poder exorcizar as dificuldades insuperáveis com que se depara pronunciando duas palavras em latim (eclesiástico)!

Vejamos um segundo exemplo. No início do segundo capítulo (“Os bolcheviques: do conflito ideológico à guerra civil”), eu analiso o conflito que se desenvolve por ocasião da paz de Brest-Litowsky. Bukharin denuncia o “declínio camponês em nosso partido e no poder soviético”; outros bolcheviques se desligam do partido; outros até declaram já desprovido de valor o próprio poder soviético. Em sentido oposto, Lênin expressa sua indignação por essas “palavras esquivas e monstruosas”. Já em seus primeiros meses de vida, a Rússia soviética vê se desenvolver um conflito ideológico de extrema rispidez e a ponto de se transformar em guerra civil.

E tão mais facilmente se transformará em guerra civil – observo em meu livro – já que, com a morte de Lênin, “vem a desaparecer uma indiscutível autoridade”. Antes – acrescento –, segundo um ilustre historiador burguês (Conquest), já naquela ocasião Bukharin havia acalentado a ideia de um golpe de Estado (p. 71). Como Marie responde a tudo isso? Novamente, ele exibe toda a sua erudição de grande, e talvez máximo, especialista de “trotskismo-logia”, mas não faz nenhum esforço para responder às questões que se impõem: se o conflito mortal que sucessivamente aflige o grupo dirigente bolchevista é culpa apenas de Stalin (o pensamento primitivo não pode passar sem o bode expiatório), como explicar a dura troca de acusações que Lênin condena como “monstruosas”, as frases pronunciadas por aqueles que estimulam a “degeneração” do partido comunista e do poder soviético? E como explicar o fato de Robert Conquest – que dedicou toda a sua existência a demonstrar a sordidez de Stalin e dos processos de Moscou – falar de um projeto de golpe de Estado contra Lênin, cultivado ou acalentado por Bukharin?

Não sabendo o que responder, Marie me acusa de manipulador e escreve até que – no que se refere à ideia de golpe de Estado acalentada por Bukharin – eu cito apenas a mim mesmo. Não tenho tempo a perder com insultos. Limito-me a fazer notar que à página 71, nota 137, cito um historiador (Conquest) que não é inferior a Marie nem em erudição nem no zelo antistalinista.

2- De que maneira os trotskistas para Marie insultam Trotsky

Com a morte de Lênin e a consolidação do poder de Stalin, o conflito ideológico se torna cada vez mais uma guerra civil: a dialética de Saturno que, de um modo ou de outro, se manifesta em todas as grandes revoluções, desgraçadamente não poupa nem mesmo os bolcheviques. Desenvolvo essa tese na segunda parte do segundo capítulo, citando uma série de personalidades entre as muitas diferentes (que revelam a existência de um aparato clandestino e militar criado pela oposição) e citando, sobretudo, Trotsky. Sim, Trotsky em pessoa declara que a luta contra “a oligarquia burocrática” stalinista “não comporta solução pacífica”. É sempre ele que declara que “o país se dirige notoriamente em direção à revolução”, em direção a uma guerra civil, e que, “no âmbito de uma guerra civil, o assassinato de alguns opressores não diz respeito mais ao terrorismo individual”, mas é parte integrante da “luta mortal” entre os alinhamentos opostos (p. 104). Como se vê, pelo menos neste caso, o próprio Trotsky coloca em dificuldade a mitologia do bode expiatório.

Compreende-se o embaraço totalmente particular de Marie. E então? Conhecemos já a ostentação de erudição como cortina de fumaça. Vamos à substância. Entre as inúmeras e muito diferentes personalidades por mim citadas, Marie escolhe duas: a uma (Malaparte) considera incompetente, à outra (Feuchtwanger) tacha como agente mercenário a serviço do crime e imbecil que se encontra no Kremlim. E assim o jogo é feito: a guerra civil desaparece e novamente o primitivismo do bode expiatório pode festejar seus êxitos. Mas recusar-se a levar em consideração os argumentos utilizados por um grande intelectual, como Feuchtwanger, para limitar-se a tachá-lo como agente mercenário a serviço do inimigo: geralmente não é esse o modo de proceder considerado “stalinista”? E, sobretudo: o que devemos pensar do testemunho de Trotsky que fala de “guerra civil” e de “luta mortal”? Não é um paradoxo o grande especialista e sumo sacerdote da “trotskismo-logia” constranger ao silêncio a divindade por ele venerada? Sim, mas não é o único paradoxo e nem mesmo o mais ressonante.

Vejamos: Trotsky não apenas compara Stalin a Nicolau II (p. 104) como vai além: no Kremlim se encontra um “provocador a serviço de Hitler”, ou “a marionete de Hitler” (p. 126 e 401). E Trotsky, que se gabava de ter muitos partidários na União Soviética e que, antes, segundo Broué (biógrafo e hagiógrafo de Trotsky), tinha conseguido infiltrar seus “fiéis” até no interior da GPU, não havia feito nada para destruir o poder contrarrevolucionário do novo czar ou do escravo do 3º Reich? Marie termina retratando Trotsky como um simples tagarela que se limita a uma basófia verbal de taberna, ou como um revolucionário desprovido de coerência e até medroso e vil. O paradoxo mais gritante é que sou de fato constrangido a defender Trotsky contra alguns de seus apologetas!

Digo “alguns de seus apologetas” pelo fato de nem todos serem tão despreparados como Marie. A propósito da impiedosa “guerra civil” que se desenvolve entre os bolcheviques, o meu livro observa: “Estamos diante de uma categoria que constitui o fio condutor da pesquisa de um historiador russo (Rogovin), de firme e declarada fé trotskista, autor de uma obra em vários volumes, dedicada a registrar a reconstrução minuciosa dessa guerra civil. Nela se fala, a propósito da Rússia soviética, de 'uma guerra civil preventiva' desencadeada por Stalin contra aqueles que se organizam para derrotá-lo. Também aos de fora da URSS, essa guerra civil se manifesta e em partes arrebenta na frente de combate contra Franco; e, com efeito, em referência à Espanha de 1936-39, se fala não de uma, mas de 'duas guerras civis'. Com grande honestidade intelectual e tirando proveito do novo e rico material documentário disponível, graças à abertura dos arquivos russos, o autor aqui citado chega à conclusão: 'Os processos de Moscou não foram um crime imotivado e a sangue frio, mas a reação de Stalin ao longo de uma arguta luta política'”.

Polemizando com Alexander Soljenítsin, que menciona as vítimas das purgações como um bando de “coelhos”, o historiador trotskista russo cita um folhetinho que nos anos 1930 chamava a varrer do Kremlim “o ditador fascista e sua camarilha”. Depois, comenta: “Mesmo do ponto de vista da legislação russa hoje em vigor, esse folhetinho deve ser analisado como um apelo a uma violenta derrocada do poder (mais exatamente do estrato superior dominante)”. Em conclusão, bem longe de ser expressão de “um ataque de violência irracional e insensata”, o sanguinário terror desencadeado por Stalin é, na realidade, o único modo com que ele consegue dobrar a “resistência das verdadeiras forças comunistas” (p. 117-118).

Assim se expressa o historiador trotskista russo. Mas Marie – para não renunciar ao seu primitivismo e à procura de um bode expiatório (Stalin) sobre o qual concentrar todos os pecados do Terror e da União Soviética em seu conjunto – prefere seguir os passos de Soljenítsin e apresentar Trotsky como um “coelho”.

3- Traição ou contradição objetiva? A lição de Hegel

No âmbito do quadro por mim traçado, permanecem firmes os méritos de Stalin: ele compreendeu uma série de pontos essenciais: a nova fase histórica que se abria com a falência da revolução no Ocidente; o período de colonização escravista que ameaçava a Rússia soviética; a urgência de recuperação do atraso em relação ao Ocidente; a necessidade de conquista de ciência e tecnologia mais avançadas e a consciência de que a luta por tal conquista pode ser, em determinadas circunstâncias, um aspecto essencial, e mesmo decisivo, para a luta de classe; a necessidade de coordenar patriotismo e internacionalismo e a compreensão do fato de uma vitoriosa luta de resistência e de libertação nacional (como foi a Grande guerra patriótica) constituir-se na mesma época uma contribuição de primeiríssimo plano à causa internacionalista da luta contra o imperialismo e o capitalismo.

Stalingrado lançou os requisitos para a crise do sistema colonial em escala planetária. O mundo de hoje caracteriza-se por crescentes dificuldades do mesmo neocolonialismo; pela prosperação de países como China e Índia e, mais no geral, da civilização na mesma época subjugada ou humilhada pelo Ocidente; pela crise da doutrina Monroe e pelo esforço de certos países latino-americanos de unir luta contra o imperialismo com a construção de uma sociedade pós-capitalista. Pois bem, este mundo não é presumível sem Stalingrado.

E, no entanto, uma vez dito isso, é possível compreender a tragédia de Trotsky. Depois de ter reconhecido o grande papel por ele desempenhado no curso da Revolução de Outubro, o meu livro assim descreve o conflito que vem a se formar com a morte de Lênin: “Na medida em que um poder carismático era ainda possível, isso tendia a tomar corpo na figura de Trotsky, o genial organizador do Exército vermelho e brilhante orador e prosador que pretendia encarnar as esperanças de triunfo da revolução mundial e que, para isso, fazia avançar a legitimidade de sua aspiração a governar o partido e o Estado.

Stalin, porém, era a encarnação do poder legal-tradicional que procurava penosamente tomar forma: ao contrário de Trotsky – ligado tardiamente ao bolchevismo – ele representava a continuidade histórica do partido protagonista da revolução e, em seguida, detentor de nova legalidade; para além disso afirmando a realizabilidade do socialismo mesmo em um único (grande) país, Stalin infundia uma nova dignidade e identidade à nação russa que, assim, superava a crise assustadora – fictícia mais do que concreta – irrompida a partir da derrota e do caos da 1ª Guerra Mundial, e reencontrava a sua continuidade histórica.

Mas exatamente por isso os adversários gritavam “traição”, enquanto traidores aos olhos de Stalin e de seus partidários surgiam todos com seu aventureirismo facilitando a intervenção de potências estrangeiras, colocavam em perigo, em última análise, a sobrevivência da nação russa – que era na mesma época o destacamento de vanguarda da causa revolucionária. O choque entre Stalin e Trotsky é um conflito não apenas entre dois programas políticos, mas também entre dois princípios de legitimação” (p. 150).

Em certo ponto, diante da radical novidade do quadro nacional e internacional, Trotsky se convence (sem razão) de que em Moscou havia uma contrarrevolução e age em conformidade a isso. No quadro traçado por Marie, ao contrário, Trotsky e seus partidários – apesar de terem conseguido se infiltrar na GPU e em outros setores vitais do aparato estatal – sem lutar deixaram-se vencer e massacrar pela contrarrevolução criminosa e idiota que foi instalada no Kremlim. Não há dúvida, é essa a leitura – para ridicularizar particularmente Trotsky, apequenando e para tornar medíocres e irreconhecíveis todos os protagonistas da grande tragédia histórica que se desenvolveu na esteira da Revolução Russa (como em todas as grandes revoluções).

Com o objetivo de compreender de modo adequado tal tragédia, é preciso fazer apelo a uma categoria de contradição objetiva estimada por Hegel (e por Marx). Desgraçadamente, porém – adverte o meu livro –, Stalin como Trotsky compartilham a mesma pobreza filosófica: não conseguem avançar para além dessa troca recíproca de acusação de traição: “De uma parte e de outra, mais do que se empenhar na análise laboriosa das contradições objetivas, e das opostas opções e dos conflitos políticos que se desenvolvem sobre tal base, prefere-se recorrer com ligeireza à categoria de traição e, em sua configuração extrema, o traidor se torna agente consciente e corrompido pelo inimigo. Trotsky não se cansa de denunciar 'a conspiração da burocracia stalinista contra a classe operária', e a conspiração é tão mais abjeta pelo fato de a 'burocracia stalinista' não ser nada além do que 'um aparato de transmissão do imperialismo'. É apenas o caso de dizer que Trotsky vem generosamente recebendo o troco na mesma moeda. Ele se lamenta de ter sido tachado como 'agente de uma potência estrangeira', mas, por sua vez, tacha Stalin como 'agente provocador a serviço de Hitler'” (p. 126).

Menos que nunca, Marie – que efetivamente ironiza minha frequente citação de Hegel – dispôs-se a problematizar a categoria de “traição”. No debate ora em curso quem é, pois, o “stalinista”?

4- O comparativismo como instrumento de luta contra as fraudes da ideologia dominante

Até aqui vimos no grande especialista de “trotskismo-logia” um esforço de erudição como fim em si mesma ou utilizada como cortina de fumaça. E, no entanto, em Marie é preciso reconhecer um raciocínio, ou melhor, uma tentativa de raciocínio. No momento em que faço uma comparação entre os crimes de Stalin – ou a ele atribuídos – e aqueles cometidos pelo Ocidente liberal e seus aliados, Marie contesta: “Então, na pátria triunfante do socialismo (porque para Losurdo o socialismo surgiu na URSS) e que concretizou a unidade dos povos é normal que sejam utilizados os mesmos procedimentos dos chefes de países capitalistas ou de um obscurantista feudal e até do czar Nicolau II”. Examinemos essa refutação. Até deixamos de lado as imprecisões, os exageros ou os verdadeiros e próprios mal-entendidos. Em nenhuma parte falo da URSS ou de outro país como “a pátria triunfante do socialismo”; em meus livros escrevi, pelo contrário, que o socialismo é um “processo de aprendizado” difícil e de maneira nenhuma concluído.
Mas concentremo-nos no essencial. Da Revolução de Outubro até nossos dias constante é a tendência de a ideologia dominante demonizar tudo aquilo que tem alguma relação com a história do comunismo. Como fiz notar em meu livro, por algum tempo Trotsky foi tachado de ser (a exemplo de Goebbels) aquele que “talvez em sua consciência tenha o número de crimes mais alto que nunca antes pesou sobre um homem” (p. 343); sucessivamente essa obscura primazia foi atribuída a Stalin e hoje a Mao Tsetung; estão por ser igualmente criminalizados Tito, Ho Chi Minh, Castro etc. Devemos suportar essa “demonização” que – como sustento no último capítulo de meu livro – é apenas a outra face da “hagiografia” do capitalismo e do imperialismo?

Vejamos de que maneira a essa manipulação maniqueísta reage Marx. Quando a burguesia do seu tempo – aceitando motivo para o assassinato dos reféns e para o incêndio espalhado pelos Communards – denuncia a Comuna de Paris como sinônimo de infame barbárie, Marx responde que as práticas de tomada (e de eventuais assassinatos) de reféns e de ateamento de incêndios foram inventadas pelas classes dominantes e que, de qualquer modo, pelo que diz respeito a incêndios, seria preciso distinguir entre “vandalismo por uma defesa desesperada” (aquele dos communards) e “vandalismo por prazer”.

Marie me faz muita honra quando polemiza comigo sobre esse ponto: ele faria bem em fazer o mesmo diretamente com Marx. Ou, se pudesse, com Trotsky, que age também do mesmo modo com que fui censurado: no libreto A sua moral e a nossa, Trotsky se refere a Marx, já citado por mim, e – para rebater a acusação segundo a qual os bolcheviques, e apenas eles, se inspiram no princípio segundo o qual “o fim justifica os meios” (violentos e brutais) – chama em causa o comportamento não apenas da burguesia do século XIX e XX, como também (...) o de Lutero, protagonista da guerra de extermínio contra Müntzer e os camponeses.

Mas, agarrado como está ao culto à erudição, Marie não reflete nem mesmo sobre textos dos autores por ele mais estimados. E, na verdade, me ironiza dando à sua intervenção o título “O socialismo de Gulag!”. Naturalmente, com essa mesma ironia por aí poderiam ser feitas chacotas da Rússia soviética de Lênin (e de Trotsky): “O socialismo (ou a revolução socialista) da Ceka”, ou “o socialismo (ou a revolução socialista) da tomada de reféns” (tenha-se presente que, em A sua moral e a nossa, Trotsky é obrigado a defender-se até da acusação de ter recorrido a essa prática). Na realidade, com a ironia cara a Marie pode-se liquidar qualquer revolução. Temos então: “A Comuna dos reféns fuzilados”, “a liberdade e a igualdade da guilhotina”, etc. De outra parte, não se trata de exemplos imaginários: foi assim que a tradição de pensamento reacionária liquidou a Revolução Francesa (e, sobretudo, o jacobinismo), a Comuna de Paris, a Revolução Russa etc.

Marx resumiu a metodologia do materialismo histórico na afirmação segundo a qual “os homens fazem sua história sozinhos, mas não em circunstâncias escolhidas por eles”. Ao invés de pegar os gestos dessas lições para investigar os erros, os dilemas morais, os crimes dos protagonistas de cada grande crise histórica, Marie indica essa simples alternativa: ou os movimentos revolucionários são soberanamente superiores – e, antes, milagrosamente transcendentes em relação ao mundo histórico, e às contradições e aos conflitos do mundo histórico – no âmbito em que eles se desenvolvem, ou aqueles movimentos revolucionários são uma completa ruína e um engano completo. E assim a história dos revolucionários em seu conjunto se configura como a história de uma única, ininterrupta e miserável ruína e engano. E mais uma vez Marie se coloca na vala da tradição do pensamento reacionário.

5- O socialismo como processo de aprendizado trabalhoso e incompleto

Eu disse que a construção do socialismo é um processo de aprendizado trabalhoso e incompleto. Mas exatamente por isso é preciso empenhar-se em dar respostas: o socialismo e o comunismo comportam a total eliminação de identidades e até de idiomas nacionais, ou tem razão Castro quando diz que os comunistas tiveram culpa por subestimar o peso que a questão nacional continua a exercer mesmo depois da revolução anti-imperialista e anticapitalista?

Na sociedade do futuro previsível não haverá mais lugar para nenhum tipo de mercado e nem para o dinheiro, ou devemos tirar proveito da lição de Gramsci, segundo a qual é preciso ter presente o caráter “determinado” do “mercado”? Em relação ao comunismo Marx fala algumas vezes de “extinção do Estado”, e outras de “extinção do Estado no atual sentido político”: são duas fórmulas entre si sensivelmente diferentes; em qual das duas pode-se inspirar? São esses problemas a provocar entre os bolcheviques, primeiro um ríspido conflito ideológico e depois a guerra civil; e a esses problemas é preciso responder se se quiser restituir credibilidade ao projeto revolucionário comunista, evitando as tragédias do passado. Com esse espírito é que escrevi primeiro Fuga da história? A Revolução Russa e a Revolução Chinesa hoje e, depois, Stalin – História Crítica de uma Lenda Negra.

Sem confrontar tais problemas, não se poderá nem compreender o passado nem projetar o futuro. Sem confrontar tais problemas, aprender de memória até os mínimos detalhes da biografia (ou da hagiografia) deste ou daquele protagonista de Outubro de 1917 servirá apenas para confirmar a profundidade do lema caro a Clemenceau: como a guerra é uma coisa muito séria para ser entregue a generais e especialistas da guerra, também a história da própria tragédia de Trotsky (para não falar da grande e trágica história do movimento comunista em seu conjunto) é uma coisa muito séria para ser entregue a especialistas e generais da trotskismo-logia.


Ditadura proletária e violência revolucionária

Trechos extraídos da obra "A revolução proletária e o renegado Kaustky", de Lenin, escrita em 1918.

"O socialismo é contra a violência sobre as nações. Isto é indiscutível. Mas o socialismo é em geral contra a violência sobre os homens. No entanto, exceptuando os anarquistas cristãos e os tolstoianos, ninguém ainda deduziu daí que o socialismo é contra a violência revolucionária. Portanto, falar de «violência» em geral, sem examinar as condições que diferenciam a violência reaccionária da revolucionária, é ser um filisteu que renega a revolução, ou simplesmente enganar-se e enganar os outros com sofismas.

"O mesmo se pode dizer da violência sobre as nações. Toda a guerra consiste em violência sobre as nações, mas isso não impede os socialistas de serem a favor da guerra revolucionária. O carácter de classe duma guerra: essa é a questão fundamental que se coloca a um socialista (se não é um renegado). A guerra imperialista de 1914-1918 é uma guerra entre os dois grupos da burguesia imperialista pela partilha do mundo, pela partilha do saque, pela pilhagem e estrangulamento das nações pequenas e fracas. Foi esta a apreciação da guerra feita pelo Manifesto de Basileia de 1912, foi esta a apreciação que os factos confirmaram. Quem se afastar deste ponto de vista sobre a guerra não é socialista."

[...]

"A democracia pura e simplesmente a «democracia» de que fala Kautsky, não é mais do que uma reprodução desse mesmo «Estado popular livre», isto é, um puro absurdo. Com a sapiência de um doutíssimo imbecil de gabinete, ou com a candura duma menina de 10 anos, Kautsky pergunta: para que é necessária a ditadura, quando se tem a maioria? E Marx e Engels explicam-no:

— Para quebrar a resistência da burguesia;
— para inspirar medo aos reaccionários;
— para manter a autoridade do povo armado contra a burguesia;
— para que o proletariado possa reprimir pela violência os seus adversários.

[...]

"Kautsky não compreende estas explicações. Enamorado da «pureza» da democracia, não vendo o seu carácter burguês, sustenta «consequentemente» que a maioria, uma vez que é maioria, não tem necessidade de «quebrar a resistência» da minoria, não tem necessidade de a «reprimir pela força» — basta reprimir os casos de violação da democracia. Enamorado da «pureza» da democracia, Kautsky incorre por descuido nesse pequeno erro que sempre cometem todos os democratas burgueses, a saber: aceita a igualdade formal (que é completamente mentirosa e hipócrita no capitalismo) por igualdade de facto! Uma ninharia!

"O explorador não pode ser igual ao explorado.

"Esta verdade, por mais desagradável que seja para Kautsky, é o conteúdo mais essencial do socialismo.

[...]

"O que é um traço necessário, uma condição obrigatória da ditadura, é a repressão violenta dos exploradores como classe e, por conseguinte, a violação da democracia pura, isto é, da igualdade e da liberdade em relação a essa classe."




(LENIN, V.I., "A revolução proletária e o renegado Kaustky")

O que é capitalismo?

O trecho abaixo foi extraído do livro "Sobre as greves", de Lenin. Define sucintamente o capitalismo e fala sobre a luta entre os capitalistas e os trabalhadores sobre o salário.

Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção, etc. pertencem a um pequeno número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e deve, por isso, alugar sua força de trabalho.

Os latifundiários e os industriais contratam os operários, obrigando-os a produzir tais ou quais artigos, que eles vendem no mercado. Os patrões pagam aos operários exclusivamente o salário imprescindível para que estes e sua família mal possam subsistir, e tudo que o operário produz acima dessa quantidade de produtos necessária para a sua manutenção o patrão embolsa; isso constitui seu lucro.

Portanto, na economia capitalista, a massa do povo trabalha para os outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um salário.

Compreende-se que os patrões tratem sempre de reduzir o salário; quanto menos entreguem aos operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam de receber o maior salário possível, para poder sustentar sua família com uma alimentação abundante e sadia, viver numa boa casa e não se vestir como mendigos, mas como se veste todo mundo. Portanto, entre patrões e operários há uma constante luta pelo salário: o patrão tem liberdade de contratar o operário que quiser, pelo que procura o mais barato. O operário tem liberdade de alugar-se ao patrão que quiser, e procura o mais caro, o que paga mais. Trabalhe o operário na cidade ou no campo, alugue seus braços a um latifundiário, a um fazendeiro rico, a um contratista ou a um industrial, sempre regateia com o patrão, lutando contra ele pelo salário.

Stalin - história crítica de uma lenda negra

Praticamente toda a literatura do Ocidente em torno da vida e da obra de Stalin é uma construção da Guerra Fria. São distorções gritantes, falsificações grosseiras e omissões criminosas sobre a vida do líder soviético.

Mas Losurdo, nesta obra, critica com grande desenvoltura temas que, por repetidos por mais de mil vezes e em mais de mil lugares, acabaram por se tornar "verdades" sobre Stalin.

Ele desmistifica a falsa assimilação entre Hitler e Stalin, mostrando a distância abismal entre os dois, tanto no plano político quanto ideológico. Mostra como, na verdade, havia mais afinidades entre Hitler e os líderes ocidentais (Churchill e Roosevelt, principalmente), do que entre este e Stalin.

Também desconstroi mitos como o antissemitismo de Stalin e o Holodomor (suposta fome ucraniana causada por ele). Sobre a "carestia terrorista", documenta fomes provocadas pela Inglaterra colonial e pelos EUA que simplesmente são omitidos nos mesmos livros de história que caluniam Stalin.

Contextualiza o "grande terror" e mostra como a situação política da década de 1930 foi uma reação do governo soviético a conspirações reais que ameaçavam o país (que chegaram até mesmo a assassinar Kirov).

O que tem se difundido no ocidente sobre Stalin é uma "lenda negra", que realmente não é nada mais que isso: lenda, mito. Daí a necessidade de se escrever uma história crítica sobre essa "lenda negra".

Autores modernos tentam até mesmo fazer análises psicológicas de Stalin, atribuindo-lhe psicopatologias para explicar o tal "terror". Mas o curioso é que o próprio Sigmund Freud não teve interesse em analisar Stalin, mas escreveu em seu tempo justamente sobre o presidente dos EUA, Wilson!

Enfim, esta obra, juntamente com "Stalin - um novo olhar", de Ludo Martens, é leitura obrigatória para quem quer ir além da cortina de fumaça construída pela Guerra Fria e seus ideólogos, tais como Hannah Arendt, autora comprovadamente patrocinada pela CIA.


Psicologia de massas do fascismo, de Wilhelm Reich

O estudo do fascismo não tem uma importância meramente histórica para nós. A definição de fascismo dada pelo psicanalista marxista Wilhelm Reich, como "a expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujas necessidades biológicas primárias e cujos impulsos têm sido reprimidos há milênios", deixa claro que o fascismo é um fenômeno atual e presente entre nós.

Portanto, o fascismo de ontem, destruído na II Guerra Mundial pelos comunistas da URSS, é o mesmo fascismo de hoje, e tem todas as possibilidades de se reorganizar como outrora sob Hitler. Daí a importância de compreendê-lo, de dominá-lo teoricamente, para então melhor combatê-lo.

É isso o que Reich afirma: "O fascismo só pode ser vencido se for enfrentado de modo objetivo e prático, com um conhecimento bem fundamentado dos problemas da vida." (p. XX)

A abordagem de Reich sobre o fascismo é riquíssima, se configurando como uma genial síntese entre Marx e Freud, entre marxismo e psicanálise. Seu livro "Psicologia de massas do fascismo" foi escrito e publicado no início da década de 1930, enquanto o fascismo era ainda incipiente, e antes também de causar todas aquelas atrocidades que chocariam o mundo anos depois. Isso mostraria, mais tarde, a justeza da análise de Reich.

Nesta obra ele responde a questões fundamentais sobre o fascismo e o seu surgimento, coisas que em sua época não era possível responder com a análise apenas econômica do chamado "marxismo vulgar".

Algumas dessas questões eram: como foi possível o surgimento do fascismo, sendo ele não um pequeno movimento associado a Hitler ou a Mussolini, mas sim um movimento de amplas massas? Como puderam as massas empobrecidas se alinhar com um discurso completamente contrários aos seus próprios interesses de classe? Por que Hitler foi mais eficiente do que o Partido Comunista em alcançar uma vasta audiência antes apolítica?

Essas perguntas eram de importância fundamental, principalmente dentro do Partido Comunista da Alemanha, do qual Reich era o editor da revista de psicologia.


A clivagem

Um ponto fundamental da análise de Reich para responder a essas questões é o que ele chama de "clivagem" da situação econômica com a situação ideológica do trabalhador.

Isso é, seria de se esperar que o trabalhador empobrecido, diante do trabalho de agitação e propaganda do partido comunista, desenvolvesse uma clara consciência de sua situação social, a qual se tranformaria numa determinação revolucionária de se livrar de sua própria miséria social.

Mas o contrário aconteceu na Alemanha de Hitler, e ainda hoje acontece, com frequência. Mas por quê? O que causa essa chamada clivagem entre a situação econômica e a ideológica do trabalhador?

Reich explica essa clivagem apontando para a estrutura de caráter do homem médio, que tem como um dos principais fatores a sexualidade reprimida.

Esta estrutura de caráter, gestada há milênios sob uma sociedade patriarcal, é utilizada de forma eficiente pela ideologia imperialista para servir aos seus propósitos.


A função social da repressão sexual

O marxista Reich compreende perfeitamente que são as condições materiais que determinam a superestrutura ideológica de toda sociedade. Mas é baseando-se em Sigmund Freud que ele vai dizer como isso acontece na mente do indivíduo, e também como a ideologia afeta a estrutura econômica. Munido com as revolucionárias descobertas de Freud sobre o inconsciente e a sexualidade infantil, Reich afirma:

"A inibição moral da sexualidade natural na infância, cuja última etapa é o grave dano da sexualidade genital, torna a criança medrosa, tímida, submissa, obediente, "boa", e "dócil", no sentido autoritário das palavras. Ela tem um efeito de paralisação sobre as forças de rebelião do homem, porque qualquer impulso vital é associado ao medo; e como sexo é um assunto proibido, há uma paralisação geral do pensamento e do espírito crítico. Em resumo, o objetivo da moralidade é a criação do indivíduo submisso que se adapta à ordem autoritária, apesar do sofrimento e da humilhação. Assim, a família é o Estado autoriário em miniatura, ao qual a criança deve aprender a se adaptar, como uma preparação para o ajustamento geral que será exigido dela mais tarde. A estrutura autoritária do homem é basicamente produzida - é necessário ter isso presente - através da fixação das inibições e dos medos sexuais na substância viva dos impulsos sexuais." (p. 28, grifo nosso)

[...]

"O resultado é o conservadorismo, o medo de liberdade; em resumo, a mentalidade reacionária." (p. 29, grifo nosso)

O efeito, então, da ideologia sobre a base econômica e que vai gerar essa clivagem é resumida dessa forma:

"...a inibição sexual altera de tal modo a estrutura do homem economicamente oprimido, que ele passa a agir, sentir e pensar contra os seus próprios interesses materiais." (p. 30)


A estrutura familiar e o fascismo

Wilhelm Reich nos fornece inúmeras citações de panfletos nazistas da época para mostrar a importância dada pelo Partido Nacional-Socialista à estrutura familiar patriarcal, conservadora. Obviamente eles o faziam mais por "instinto" do que por um conhecimento psicológico profundo.

A partir da análise da família, Reich compreende a razão do fascismo ser um fenômeno típico da classe média-baixa: é devido à estrutura familiar autoritária deste estrato social.

Na família do operário, por exemplo, como a mulher precisa trabalhar e ele não sustenta a casa sozinho, o caráter patriarcal é menos influente do que na família da classe média.

A posição dos nazistas em temas como o aborto, por exemplo, deixa claro o que estava em jogo: a repressão sexual. Eles se manifestavam veemente contra o aborto e contra qualquer tipo de regulação da vida sexual.

Os nazistas pregavam o sexo apenas após o casamento, e eram a favor de um estrito controle sobre a sexualidade, combatendo o "bolchevismo cultural".

Reich identifica nisso que o homem médio não conhece a regulação da vida sexual - acha que tem que escolher ou a moral sexual repressiva ou a anarquia sexual, a libertinagem. Uma forma de maniqueísmo sexual.


Religião e misticismo

Os panfletos nazistas reproduzidos por Reich também mostram o quanto eles se apoiavam na religião e no misticismo.

Mas a psicanálise já havia desvendado o efeito psicológico ocorrido nas pessoas sob influência de cultos religiosos. Já havia mostrado a correlação entre as idéias de Deus como pai; de mãe de Deus como mãe e da Trindade como o triângulo familiar (pai, mãe e filho).

Isso é, "os conteúdos psíquicos da religião têm a sua origem nas relações familiares desde a primeira infância."

Reich, se baseando nas descobertas da psicanálise sobre a experiência psíquica da religião, afirma:

"...o homem religioso encontra-se num estado de total desamparo. Em consequência da total repressão da sua energia sexual, perdeu a capacidade para a felicidade e para a agressividade necessária ao combate das dificuldades da vida. Quanto mais desamparado ele se torna, mais é forçado a acreditar em forças sobrenaturais que o apóiam e o protegem. Assim se compreende que, em algumas situações, ele seja capaz de desenvolver um incrível poder de convicção; de fato, uma indiferença passiva com relação à morte. Essa força advém-lhe do amor às suas próprias convicções religiosas, que são sustentadas por excitações físicas altamente prazerosas. Mas ele acredita que essa força provém de 'Deus'. O seu anseio por Deus é, na realidade, o anseio originado pela sua excitação sexual anterior ao prazer e que exige ser satisfeito. A liberação não é, nem pode ser, mais do que a libertação das tensões físicas insuportáveis, que podem ser agradáveis enquanto puderem ser associadas a uma união imaginária com Deus, isto é, à satisfação e ao alívio. A tendência dos religiosos fanáticos para se flagelarem, para atos masoquistas, etc, só vem confirmar o que dissemos. A experiência clínica em economia sexual mostra que o desejo de ser espancado ou a autopunição corresponde ao desejo instintivo de alívio sem incorrer em culpa. Não há tensão física que não evoque fantasias de estar sendo espancado ou torturado, se o indivíduo em questão se sente incapaz de produzir por si próprio o alívio. É essa a origem da ideologia do sofrimento passivo, presente em todas as religiões." (p. 139-140)

[...]

"Em nenhuma classe social florescem as histerias e as perversões, tanto como acontece nos círculos ascéticos da igreja."

O misticismo e a religião reforçam a inibição sexual, a moralidade de submissão e a estrutura familiar patriarcal autoritária. Daí o enorme interesse do fascismo e de toda sorte de reacionarismo político em se utilizar dessas instituições para desarmar o proletariado e manter intacto, sem perturbações, o seu sistema de dominação.


Economia sexual no combate ao fascismo

Reich, como todo marxista, compreende que mais importante do que interpretar o mundo, o que importa é transformá-lo. Por isso sua obra não poderia deixar de apontar alguns caminhos para combater as bases do fascismo.

Vamos nos limitar a citar apenas uma das políticas de economia sexual que ele apresenta, que é resumida da seguinte forma:

"Se conseguimos eliminar o medo infantil da masturbação - o que tem como consequência o aumento da necessidade de satisfação sexual genital -, então o conhecimento intelectual e a satisfação sexual prevalecerão. À medida que desaparece o medo da sexualidade, ou o medo da antiga proibição sexual paterna, diminui também a crença mística." (p. 171)

"A consciência sexual e os sentimentos místicos são incompatíveis."

[...]

"Não nos interessa discutir a existência ou inexistência de Deus: limitamo-nos a suprimir as repressões sexuais e a romper os laços infantis em relação aos pais." (p. 172)

Para comprovar a justeza da linha de seu trabalho, Reich cita os resultados que ele vinha obtendo em seu trabalho de economia sexual com os operários e suas famílias.


Conclusão

Esta obra de Reich, em nosso entendimento, seria melhor se não tivesse sofrido as revisões que sofreu nas edições seguintes à original. À medida que se passam os capítulos, sua obra começa a se mostrar uma colcha de retalhos. Isso foi causado pelo afastamento de Reich do Partido Comunista da Alemanha e seu abandono do marxismo, que ocorreu entre uma edição e outra, num espaço de mais de 10 anos.

As críticas que Reich ensaia sobre a URSS, por exemplo, são em sua maioria descabidas, tendo ele incorrido no grave erro do reducionismo psicológico. E justamente ele, que tanto criticava os "marxistas vulgares" pelo reducionismo econômico.

Nos primeiros capítulos Reich é comunista; no último já abandonou completamente o comunismo e o marxismo, defendendo a teoria da "democracia do trabalho", inventada por ele mesmo. Isso comprometeu a coesão e a coerência de sua obra.

No entanto, permanece intocável o valor de sua análise do fascismo presente nos primeiros capítulos, sendo esta obra altamente recomendável a todos aqueles que pretendem empreender uma análise profunda do fascismo.

Stalin - um novo olhar

É impressionante como a propaganda nazista, criada por Hitler & Cia para justificar sua agressão à União Soviética, não foi morta e enterrada debaixo dos escombros de Berlim após a vitória fulminante dos russos comunistas sobre a grande ameaça ariana. Essa propaganda, infelizmente, teve os EUA como seus continuadores.

É praticamente uma "verdade indiscutível" dizer que Stalin matou milhões de pessoas; que Stalin era um "ditador" sangue-frio; que tinha uma "inteligência medíocre"; que ele causou a fome da Ucrânia; que ele planejou mal a guerra contra Hitler, etc, etc.

Mas em sua extremamente bem documentada obra "Stalin - um novo olhar", Ludo Martens nos mostra um Stalin vivo, forte, determinado, de grande capacidade intelectual, lúcido, coerente e um excelente estrategista militar, o que contrasta completamente com as velhas propagandas nazistas da década de 30 que ainda enganam o mundo. Nos mostra como as "estatísticas" dos "milhões" de mortos sob Stalin foram forjadas antes e durante a guerra fria, mas depois completamente desmascaradas nas aberturas dos arquivos soviéticos na década de 1990, apesar da burguesia não ter interesse em "corrigir" sua literatura anticomunista defasada.

As velhas mentiras hitleristas persistem, mas não sem razão: Stalin é o pior pesadelo que a burguesia já teve. Foi ele quem elevou a URSS a uma condição de potência em apenas algumas décadas de socialismo e venceu a II Guerra Mundial. A burguesia ainda hoje teme Stalin como o diabo teme a cruz.