Escrito por um prisioneiro de Guerra das FARC-EP.
Em 15 de outubro, às 04h30 da madrugada fui retirado da cela n º XX, pátio n º 3 do pavilhão de segurança máxima da Penitenciária Nacional "Palo Gordo". A razão: participar de uma diligência judicial na cidade de Bucaramanga, capital do estado de Santander.
Fui imediatamente algemado, não me permitiram nem escovar-me e fui conduzido pelo comandante de turno para a gaiola de encaminhamentos. Chegaram detentos dos pavilhões diferentes que, como eu, seriam levados para passarem por um processo judicial. Alguns cumprimentavam, outros simplesmente se agarravam à grade da cela, uma vez que é um direito do preso. Quando se está fora do seu território em meio a desconhecidos, é preciso ter cuidados para se defender. Após um tempo começam as histórias de lutas em diferentes pavilhões e as razões dos enfrentamentos, em sua maioria esmagados pela guarda que estava no hospital, enfermaria ou a prisão.
Um pelotão de guardas se fez presente, desnudos, pegam nossas roupas e fazem uma revista minuciosa, qualquer objeto que se leve nos bolsos é apreendido e se você reclamar o arrocho é extra. Logo nos algemaram, acorrentam as algemas, imobilizando as mãos. A corrente dá uma volta ao redor da cintura onde é fixado uma caixa que você carrega no meio das correntes, impedindo completamente qualquer movimento das mãos. Depois fomos para um veículo.
O carro começou a se mover e fomos saindo da imensa montanha de concretos, grades, bobinas e arames. De repente se abre um céu imensamente grande e de uma beleza indescritível, pois no cárcere apenas se observa um pedacinho dele, como do tamanho de uma lona bem pequena.
Permaneci olhando as profundezas infinitas tão cheias de transparência e aromatizadas com perfumes de opalas. No céu, observava nuvens brancas que eram adornadas com algumas estrelas que brilhavam com uma luz muito fraca fazendo- me ver muitas fugirem antes do ímpeto dos primeiros raios da aurora. Respirei todo o ar que pude com toda a força dos meus pulmões e por um instante me lembrei de todas aquelas paisagens, animais e cenários que se observa nas marchas da guerrilha.
A manhã foi se revelando como suspiros místicos e a natureza ia se banhando de uma cor chamativa e alegre como se estivesse sendo pintadas com aquarela. As árvores se mexiam harmoniosamente com o vento, parecia que dançavam ao céu firme e oponente. A respiração fluía dos meus pulmões como o manancial brota do chão que logo desliza em busca dos vales.
Meu desejo de contemplar cada detalhe das paisagens fez com que meus olhos voassem como estampidos de aves surpreendidas.
A brisa golpeava meu rosto, que alegria, enquanto eu aspirava a brisa o aroma de cálice daquelas paisagens. Assim estava fazendo talvez um poema, uma música, enquanto desejava roubar a paisagem, as árvores, toda a sua beleza.
Desejei imensamente ouvir os beijos e suspiros de cada brisa e cheirar aqueles perfumes errantes dos campos com suas árvores e flores.
Pouco a pouco fomos entrando na cidade de Bucaramanga, grandes edifícios foram se impondo ante a nós, avisos de toda classe anunciando seus produtos. As pessoas se moviam como formigas. Em cada rosto o reflexo da angustia, tristeza ou felicidade.
Um mendigo ia arrastando seus farrapos e em seu rosto refletia a nostalgia de ser habitante das ruas onde há de tudo, mas de tudo carece.
Ao chegar ao nosso destino, fomos desacorrentados e levados para uma cela de escassos três metros quadrados. 15 pessoas neste reduzido espaço, não havia onde sentar, o chão estava cheio de umidade e um odor imensamente desagradável.
Um detento começou a gritar: isso é desumano!, e o agente penitenciário grita “cale a boca filho da p...!, Querem gás lacrimogêneo?”
Aqueles calabouços são o centro ao qual chegam presos de todas as partes, ou seja, de várias cadeias. Começa a gritaria e os negócios de armas, drogas etc. Logo, logo, aquele cárcere está inundado com a fumaça de maconha, um colega que fuma com grande ansiedade um cigarro de maconha, me oferece um toque. Eu o olho e lhe digo: obrigado, eu estou em uma viagem. Enquanto ele indicava as espirais de fumaça que davam volta naquele reduzido espaço.
Depois de algumas horas eu fui levado para a Delegacia. Uma vez dentro do palácio fui levado a um pequeno escritório. Nela havia uma mesa com quatro cadeiras, sobre a mesa um pequeno letreiro de “Fiscalização da unidade de direitos humanos número 99 de Bogotá.” De um lado uma impressora e computador, e à frente um senhor de uns 60 anos e bastante careca, que diante da minha presença se pôs de pé dizendo:
- Eu sou o advogado indicado para preceder uma diligência pelo recrutamento de menores e desaparecimento forçado na Argélia Antioquia.
- Eu posso saber o seu nome? Perguntei
- Sim claro, Carlos Guillermo Ordóñez Garrido.
Como o meu advogado não havia chegado ele começou a fazer perguntas sobre os farianos e ele foi questionando com argumentos cada uma.
Entre as perguntas me disse:
- Se vocês são tão fortes e ferozes, por que não estão governando?
- A força não é o governo e sim os processos revolucionários e quem faz são os povos quando os fatores objetivos e subjetivos tiverem atingindo a maturidade. Assim lhe respondi.
- Mas as FARC já perderem o norte ideológico, se alguma vez o tiveram.
- Eu respondo, olhando para o doutor, os espanhóis diziam que Bolívar e seu exército eram assaltantes de caminhos e não sei quantos adjetivos mais, e hoje é o Libertador de cinco repúblicas.
- Vocês abraçaram o terrorismo, olhem a destruição que semearam, esse tais cilindros que são lançados não são armas convencionais.
- Os exércitos podem comprá-las, sobre os cilindros há uma diferença tão grande, o exército lança bombas de 50k mínimo e também até de mais de uma tonelada, enquanto a nossa dificilmente chega a 60 libras. Sobre as convenções, acaso a bomba de Nagasaki e Hiroshima, que lançou os EUA são convencionais? Vocês em nome da tal democracia já mataram milhões em todo o globo terrestre, e continuam a matar ou, talvez, aqueles que morrem de fome, por falta de cuidados médicos, água potável etc. Não é a responsabilidade do Estado?
Ele me disse:
- A democracia os espera, desmobilizem as pessoas, façam a luta nas urnas, e no Senado e acabaremos com esta guerra sem sentido.
- Olhe doutor, o dia que a famosa democracia da oligarquia fizer algo de bom para o povo, nesse dia o imperialismo declarará ilegal a democracia.
- Olhe cara, vocês estão acabando com o exército.
- Doutor, é muito fácil a partir de um escritório receber todo o papo de quiabo que os meios de comunicação enviam aos quatro ventos. Os boletins de guerra que nos chegam falam de soldados mortos, feridos, helicópteros derrubados, danificados e fuzis recuperados. E se você não acredita dê uma passada pelo hospital militar, vá no centro psiquiátrico para os militares, saberá quantos loucos estão por aí, produto de uma guerra que estão ganhando segundo você. Lembre-se doutor, que as notícias todo o tempo falam de soldados que em estado de embriaguez matam, sequestram e se suicídam.
- O que fazer para acabar com esta guerra? Pergunta o advogado
Respondo-lhe:
- Fácil Doutor, nos entreguem o poder para construirmos um novo sistema econômico, político e social, onde o povo tome as suas determinações de acordo com sua cultura, costumes e tradições
…
Bem, aqui eu resumi o diálogo com o advogado, afinal é isso que tenho a fazer em cada bancada judicial, sempre defender a luta das FARC-EP e a razão pela qual as pessoas estão lutando, levando os ideais do Socialismo na mente e as armas nas mãos.
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